quarta-feira, 25 de novembro de 2020

 DIEGO

Vi, escritos na relva, os mais belos poemas de uma vida. Sob o clamor das vozes, ouvi a tua voz naquele bairro do sul distante, buenos aires do perdido amor, com as suas milongas, com os seus punhais dolentes de mate e suor.
Tu não crescias.
Eras puro, com a beleza por dentro, essa terrível beleza que arde no coração.
De muito longe vieram contigo o júbilo e as altas flores da magia.
De repente, tudo enlouquecia.
O mundo era um prado vertiginoso, rectangular e verde, com a demência à volta.
Em junho, o sol explodia sobre as cabeças delirantes mas eu sei que a morte chegava depressa, batendo à porta da tua noite.
Eu também parti nas asas brancas de um sonho, e, depois, numa lágrima de imenso mar, disse-te adeus, apertando-te secretamente na solidão dos meus dias.
Tudo passa velozmente na estação do sol e, em setembro, já corremos as cortinas dos salões, regressando ao outono, quando os cabelos adquirem a neve do tempo que fica.
Ave que cruzas a pampa onde a saudade mata com os seus ferros incandescentes, traz-me novas do meu amigo, fala-me do vento que o viu nascer ao lado da morte da alegria.
Agora, que é tarde, só te posso recordar, sentado algures, na fria pedra dos lugares vazios. Agora, és apenas um menino triste, abandonado pelas mãos de Deus.
JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA
1990

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