A ferida tem o seu tempo, a sua febre,
a existência líquida e ardente do que é excessivo,
do que cresce com a carne, martirizando-a.
Há feridas comovidas como esta, que se abrem
e se fecham com a dor lá dentro
para que ninguém possa devassá-las.
Há as feridas da melancolia
e as do músculo seccionado pelo gume
de uma raiva mitigada e ancestral.
Nem só os animais lambem as chagas
para as pôr ao abrigo do pó e do vento.
Também os cavaleiros de coisa nenhuma
lambem o coração retalhado na peleja
à espera que o afago da brisa
lhes traga a dádiva de outra paixão.
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 33
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