imperceptível, o arado rasga a terra,
o amor dorme,
da árvore pende o mais doce fruto,
a casa é branca, tão branca, penso eu.
que farei deste silêncio e destas feridas,
que profundo desgosto atraiu o olhar,
que ódio mais necessário envolve as mãos?
sou jeremias,
é certo.
o fugitivo, o ermita,
o vagabundo do país de exílio,
da lisboa inerte onde se morre,
sou o louco impossível,
o pastor da noite que nunca chegará,
o avô negro que envelheceu entre as plantações
de algodão no sul,
e através da auto-estrada e do vento da costa,
quando se dirigia para o ocaso,
nas horas de maior calor;
tudo o que amei passou,
como as marés que deixam o
ciclo,
lua cheia e lua nova,
inverno e estio,
tudo o que amei se abandonou,
como náufrago que o mar abandona à praia,
quase morto,
no fim da viagem subitamente interrompida,
agora que o fascínio das noites do sul se perdeu
e o sul se perdeu,
e o cais se perdeu...
José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., p. 25/6
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