domingo, 13 de maio de 2018

Jacques Prévert / na minha casa



Hás-de vir a minha casa
Aliás não é a minha casa
Não sei de quem ela é
Um dia entrei por aqui
Não estava ninguém
Só uns pimentos vermelhos pendurados na parede branca
Durante muito tempo fiquei nesta casa
Ninguém apareceu
Mas todos todos os dias
Fiquei à sua espera

Não fazia nada
Quer dizer nada de importante
Às vezes de manhã
Soltava gritos de animais
Zurrava como um burro
Com quanta força tinha
E era uma coisa que me dava prazer
E depois brincava com os pés
São muito inteligentes os pés
Levam-nos muito longe
Quando queremos ir muito longe
E quando não queremos sair
Ficam ali a fazer-nos companhia
E quando há música dançam
Não se pode dançar sem eles
É preciso ser estúpido como o homem tantas vezes é
Para dizer coisas tão estúpidas
Como estúpido como um pé alegre como um pardal
O pardal não é alegre
Só é alegre quando está alegre
E triste quando está triste ou nem alegre nem triste
Será que alguém sabe o que é um pardal
Aliás nem sequer se chama realmente assim
O homem é que chamou aquele pássaro assim
Pardal pardal pardal pardal

É muito curioso isto dos nomes
Martin Hugo Victor de seu nome
Bonaparte Napoleão de seu nome
Porquê assim e não assim
Um rebanho de bonapartes passa no deserto
O imperador chama-se Dromedário
Há um cavalo caixa e gavetas de corrida
Ao longe galopa um homem que só tem três nomes
Chama-se Tim-Tam-Tom sem outros apelidos
Ainda mais ao longe está sabe-se lá quem
E muitíssimo mais ao longe está sabe-se lá o quê
Mas afinal que é que tudo isto importa

Hás-de vir a minha casa
Penso noutra coisa mas é só nisso que penso
E quando entrares em minha casa
Despes a roupa toda
E ficas imóvel nua em pé com a tua boca vermelha
Como os pimentos vermelhos pendurados na parede branca
E depois deitas-te e eu deito-me junto a ti
É isso
Hás-de vir a minha casa que não é a minha casa



jacques prévert
traduzido por zé lima
diversos nr. 3

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