domingo, 7 de janeiro de 2018

A LARRA COM UMAS VIOLETAS

(1837-1937)


Ainda se queixa vagamente sua alma,
O escuro vazio da sua vida.
Mas não podem pesar sobre essa sombra
Algumas violetas,
E é grato assim deixá-las,
Frescas entre a névoa,
Com a alegria de uma pequena coisa pura
Que resgatasse aquela dor antiga.

Quem fala já aos mortos
Mudo o encontram os que vivem.
Neste silêncio, onde o medo impera,
Colher essas flores uma por uma
Breve consolo foi para estes dias
Cuja pegada sangrenta se abre nas espáduas
Carregadas pelo ódio com uma pedra inútil.

Se a morte apazigua
Tua boca amarga de Deus insatisfeita,
Aceita uma oferta tão leve, sombra sentimental,
Nessa paz que sob a terra te esperava,
Brotando em erva, vento e luz silvestres,
O fiel e último encanto de estar só.

Curado de viver, sorri por uma vez,
Pálido rosto de paixão e tédio.
Olha as velhas ruas que percorreste, errante,
O lampião azulado que te guiou, carne hirta,
Ao regressares do baile ou do torpe jornal,
E as fontes de mármore entre palmeiras:
Águas e folhas, bálsamo dos tristes.

A terra foi medida pelos homens,
Com suas casas estreitas e sórdidos casais,
Sua corrupta opinião pública e suas revoluções
Mais cruéis e injustas do que as leis,

Com um imenso bocejo demoníaco;
Nela não há lugar para o homem solidário,
Filho nu e deslumbrante do divino pensamento.

E a nossa madrasta - olha-a, hoje, desfeita -,
Miserável e bela entre os pardos sepulcros
Dos que como tu, nascidos em sua estepe,
Viram enquanto vivos morrer sua esperança,
E então gritaram, sumidos pelas trevas,
Aos irmãos irrisórios que nunca os executaram.

Escrever em Espanha não é chorar, é morrer,
Porque morre a inspiração envolta em fumo,
Quando sua chama livre não procura o espaço.
Assim, quando o amor, o tenro monstro loiro,
Voltou contra ti tantas ternuras vãs,
Tua mão abriu com um tiro, enorme e rubra, a morte.

Livre e tranquilo ficaste enfim, um dia,
Mas tua voz sem ti abriu um acento inapagável.
É breve a palavra como o canto de um pássaro,
Mas um claro estandarte pode prender-se nela
De embriaguez, paixão, beleza fugitivas,
E subir, anjo vigilante que testemunha do homem,
Além, à região celeste e impassível.


Luis Cernuda. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 255/6

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