sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Simplicidade




Eu queria ser simples naturalmente
sem o propósito de ser simples.

Saberia assim sofrer com mais calma
e rir com mais graça.
Saberia amar sem precipitações.

Os meus sonhos não meteriam esses rumos impossíveis
de terras mais além.
Bastar-me-ia a curta travessia no mar do canal
num dos nossos minúsculos veleiros
para ir conhecer a ilha defronte.

Não teria ambições de posse e grandezas.
Contentar-me-ia
com os insignificantes objectos que os pobres estimam
                                                                                               [ingenuamente:
algum canivete com argola para pendurar no cinto
que bem me serviria para picar na palma da mão
o tabaco para o cachimbo.
Ou talvez quisesse um relógio barato
desses que vinham do Japão antes da guerra.

Chegá-lo-ia ao ouvido do meu filho mais novo
só para lhe ver no rosto
a expressão de espanto e curiosidade. 

E quando estivesse assentado à porta de casa
nas pesadas noutes  de Verão
veria as horas no mostrador luminoso.

Eu queria ser simples
e a minha vida seria
sem egoísmos, sem ódios, sem inveja, sem remorsos.
A minha felicidade
não incomodaria ninguém
nem haveria impropérios nem blasfémias
nos meus momentos difíceis.

Seria sem gramática
a minha poesia,
feita toda de cor
ao som do violão
com palavras aprendidas na fala do povo.

Eu queria ser simples naturalmente
sem saber que existia a simplicidade.

                                                                                                       Caderno de um ilhéu, 1956



Jorge Barbosa in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 173

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