quarta-feira, 31 de agosto de 2016


I

O PIANO DAS MARÉS

1. 

Depois de Futuro e Durinda irem atrás do tempo, a ilha
começou a afinar o fim. Com o piano das marés.
   João via o azul desabando em algum céu ou monte. Des-
prendido das gaivotas, que eram outros céus (in)tactos e voados.
   Até ao firmamento tinha gretas na parede. Uma tapera.
   Arquejavam as estrelas, como bestas de carga chicoteadas
pela névoa.
    Sob o céu mais incoado,
                  a luz eram pedradas jogadas em planetas.
   Fora feliz o tempo alguma vez?
   João Serafim deixava pensamentos saltarem.
   A ausência de Futuro abrigava mortes, que não cessavam 
de partir.
   Quem sonha se mistura ao que é sonhado. Não se abandona
mais ao puro acaso.


Carlos Nejar. A Idade da Eternidade. Poesia Reunida. Escritores dos Países de Língua Portuguesa. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001., p. 99

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