quarta-feira, 30 de setembro de 2015


«JOVEM MULHER - Vai! Se estás farto de mim, vai já, hoje!

COMPANHEIRO - Hoje não. Estou rebentado.

JOVEM MULHER - Vai amanhã, de comboio. Logo de manhãzinha, para veres nascer o sol. (Num lamento): Já não gostas de mim.

COMPANHEIRO - Ó mulher! Seria tão bom que calasses, durante quatro anos, ao menos, essa boca de trapo.

JOVEM MULHER (queixosa) - Já não gostas de mim. Eu sei. Levaste uma vida a ignorar que eu me pintava e, ainda há instantes, cuspiste na minha cara, no rimel, no pó d'arroz e no baton que uso. Julgas que eu me esqueci?

COMPANHEIRO - Deixa-me! Cala-te! Quero lá saber das tuas pinturas.

JOVEM MULHER - Quiseste desfazer-te de mim. Quiseste matar-me, para poderes casar com a tua patroa. Foi isso que sentiste, há bocado, não foi, quando eras governo? Ela é tua amante. É?

COMPANHEIRO - É. Esta mulher põe-me doido. Obriga-me a dizer o que não quero e a ser o que não sou. Agora vem-me com ciúmes. Deixa-me, pá! Necessito de sossego. Estou doente.»


Vasco José. A Mulher Deitada. Collecção de autor, Torres Vedras, 1977., p. 137/8

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