O ÚLTIMO CASO DO INSPECTOR
O lugar do crime
não é ainda o lugar do crime:
é por enquanto um quarto cheio de penumbra
onde duas sombras nuas se beijam.
O assassino
não é ainda o assassino:
é só um homem cansado
que chega a casa um dia antes do previsto
depois de uma longa viagem.
A vítima
ainda não é a vítima:
é somente uma mulher ardendo
noutros braços.
A testemunha de excepção
não é ainda a testemunha da excepção:
apenas um inspector espadaúdo
que se goza da mulher do próximo.
A arma do crime
ainda não é a arma do crime:
é apenas um candeeiro de bronze apagado,
tranquilo, inocente
sobre uma mesa de cabeceira.
Joaquim Pessoa. Os Herdeiros do Vento. Antologia Apocrifa. LITEXA Portugal, 1984., p. 49