quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

« - É verdade que a noite está cheia de pecados,  Justina?
-Sim, Susana.
-E é verdade?
-Deve ser, Susana.
-E o que é que tu pensas que a vida é, Justina, senão um pecado? Não ouves? Não ouves como a Terra range?
 - Não, Susana, não consigo ouvir nada. A minha sorte não é tão grande como a tua.
 -Ficarias assustada. Digo-te que ficarias assustada se ouvisses o que eu ouço.
  Justina continuou a pôr ordem no quarto. Passou uma e outra vez o pano pelas tábuas húmidas do chão. Limpou a água da jarra partida. Recolheu as flores. Pôs os vidros no balde cheio de água.
-Quantos pássaros mataste tu na vida, Justina?
-Muitos, Susana.
-E não sentiste tristeza?
-Sim, Susana.
-Então, estás à espera de quê para morreres?
-Da morte. Susana.
-Se é disso, não tardará. Não te preocupes.
Susana San Juan estava sentada na cama, recostada nas almofadas. Os olhos inquietos, olhando para todos os lados. As mãos sobre o ventre, presas ao ventre como uma concha protectora. Havia leves zumbidos que se cruzavam como asas por cima da sua cabeça. E o barulho das roldanas na nora. O rumor das pessoas ao acordar.
-Tu acreditas no Inferno, Justina?
-Sim, Susana. E também no Céu.
-Eu só acredito no Inferno - disse. E fechou os olhos.»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 127