sábado, 6 de dezembro de 2014

HUMANO, DEMASIADO HUMANO
"Trocares o meu
por outro corpo à espera
é um vago sintoma que se imiscuiu
na suspeita matriz
recôndita cisterna
onde abeberam no mais limoso chão
as sacrílegas tardes
da degola materna.
A esparsa neblina encha cada porta
de um velo putrescível
a casa estagnava na poça das ausências
e o desejo sucumbe na falésia.
Nessa mão vitrificam
restos de placenta
amoras pintando no recorte dos dedos
o proibido mosto,
essa mão que decénios
enrugaram lisura,
puxou-te em direcção à cama onde nasceste.
Sibilante esconjuro
te marcou o fácies do selo ritual
e te obriga à errância na vereda deste trilho.
Enquanto nos embalam
nas camas aquecidas
onde um urso e um pato ouviam os queixumes
da fome de mais leite,
tu chegavas à zona onde era proibido
recordar o processo das solenes gracinhas,
a palavra mal dita
o fígado desfeito às voltas das cenouras,
só no seco coçar
da memória exaurida
a sôfrega migalha a confidente apanha
à espera se um deslize abranda a contenção."



 Fátima Maldonado. Os Presságios.