terça-feira, 30 de setembro de 2014
«Do ponto de vista psiquiátrico, todos os extremismos políticos derivam de uma única categoria definida por um sistema banal: o desejo de violência e de poder. E também desejo de submissão» (Le fou, p. 93). «O gosto pelo vermelho, cor de sangue, comum ao nazismo e ao bolchevismo, remete sempre, inconscientemente, para a pulsão de morte da máquina. A própria palavra comunismo contém excepcional carga afectiva» (Le fou. p. 244)
Le fou et le prolétaire, Robert Laffont, 1979. L'invention de la France, em colaboração com Hervé Le Bras, Le Livre de Poche, 1981.
«Tentem suicidar-se e tenham o azar de falhar, logo essas bestas dos vivos hão-de desunhar-se para vos forçar a viver, obrigando-vos a partilhar a merda deles.
Sei que em certos momentos na vida parecem de felicidade; questão de humores, como o desespero, e nem um nem outro assentam sobre algo sólido. Tudo isso é asquerosamente provisório. O instinto de conservação é uma nojeira.»
«Vive la Mort», Chaval (reproduzido in Carton, Les Cahiers du dessin d'humour, nº2, 1975)
Sei que em certos momentos na vida parecem de felicidade; questão de humores, como o desespero, e nem um nem outro assentam sobre algo sólido. Tudo isso é asquerosamente provisório. O instinto de conservação é uma nojeira.»
«Vive la Mort», Chaval (reproduzido in Carton, Les Cahiers du dessin d'humour, nº2, 1975)
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
«paranóia deambulatória »
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso,11/12
«Interiormente, era um ser perturbado, um homem nervoso, caprichoso e obstinado. Habituado a uma determinada rotina, levava a vida disciplinada de um eremita ou de um asceta. Era difícil dizer-se se tinha adoptado livremente este modo de vida ou o tinha aceite pela força das circunstâncias. Nunca se referiu à vida que gostava de ter. Comportava-se como uma pessoa que, escorraçada e humilhada, se conforma com a sua sorte. Como uma pessoa que assimila melhor o castigo que a felicidade. Havia nele qualquer coisa de feminino, que não deixava de ter os seus encantos, mas que explorava contra si mesmo. Era um dandy incurável, que vivia como um mendigo. E vivia completamente no passado.
Talvez que a mais precisa definição que eu possa dar da sua pessoa no começo das nossas relações, seja a de um estóico que arrasta atrás de si o seu caixão.
Contudo, era um homem com múltiplas feições, conforme vim a descobrir gradualmente. Era muito permeável, extremamente susceptível, em particular às emanações perniciosas, e podia mostrar-se tão volúvel e emotivo como uma rapariguinha de dezasseis anos. Embora não fosse um espírito estruturalmente bem formado, fazia o possível por ser correcto, imparcial e justo. E tentava ser leal, embora sentisse que, por natureza, era essencialmente falso. Aliás, foi essa indefinível perfídia a primeira coisa que percebi a seu respeito, embora não tivesse qualquer motivo para justificar este juízo. Lembro-me de ter deliberadamente afastado este pensamento, substituindo-o pela vaga noção que estava em presença de uma inteligência suspeita.»
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso,11/12
domingo, 28 de setembro de 2014
«(...), atentos a um prato de fotografias.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 76
VISIONS & OMENS
"Comecemos então pelos habitantes humanos, ou talvez melhor, sobre-humanos, dessas regiões distantes. Blake chamava-lhes querubins. E, de facto, não há dúvida de que é isso mesmo que eles são: a matriz psicológica daqueles seres que nas teologias das mais variadas religiões servem de intermediários entre o homem e a Luz Clara. As personagens sobrehumanas da experiência visionária nunca estão a fazer isto ou aquilo (do mesmo modo que os bem aventurados, no Céu, também não estão em actividade). Contentam-se com o facto de existir. Estas figuras heróicas da experiência visionária dos homens,sob vários nomes e com uma infinidade de diferentes roupagens, surgiram na arte religiosa de todas as culturas. Por vezes são apresentados em repouso, outras vezes em cenas de acção mitológica. Mas a acção, como já dissemos, não é um atributo natural dos habitantes dos antípodas da mente. Estar ocupado é a lei da nossa existência. A lei da existência deles é não fazer nada."
Aldous Huxley. "O Céu e o Inferno"
Aldous Huxley. "O Céu e o Inferno"
sábado, 27 de setembro de 2014
«(...) gritei para dentro de mim como se falasse.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 53
Fazia frio no meio das árvores.
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 34
E fui-me embora.
«-Não queres que eu fique aqui mais tempo? - perguntou-me Linda, de cenho carregado.
- Não quero coisa nenhuma - disse eu, brusco. - Tenho que me ir embora.
-Isso é comigo? - perguntou Linda.
Encolhi os ombros e pus a guitarra no saco. Tê-la-ia partido em dois pedaços.
-Dá-me ao menos um cigarro - disse Linda.
-Estão em cima da cama. - E fui-me embora.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 30/1
« Quando falava assim é que eu compreendia quem ela era. Contávamos um ror de coisas um ao outro nessa noite, gracejando volta e meia, mas bastava um momento para me encher de medo.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 25
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 25
LUTA PELO FULGOR QUOTIDIANO
"Sem observar, possuí o plano do teu corpo...
e assim se extinguiu uma cidade
se estrangularam as pombas a distância.
Nunca mais direi a cor das veias
como era tecida a teia de membros que propus
- apenas esta rota sem final mas certa,
casualmente um ramo de flores sem sorriso
um fluir de cravos na penumbra
através da tua face triste, sortílega e cigana
a isto se chama saudade
a isto está morto o tacto
sem que a órbita da terra se transtorne
antes que seja tarde muito tarde
Ocorrem-me palavras: lua flutuar sereno.
Deixaram porém a sua direcção exacta
nas folhas que o Outono carboniza
como estar só é a força flexível
de tudo que se toque, e abandone.
As torres destinaram-se ruínas
-tudo se consumou sem assistência.
Onde a vida me vá eu a prossiga
com um indício irracional perfeito,
pois com o tempo os remos submergem
sempre ao mesmo nível fatigado
transeunte e rítmico
musical, nem triste, e concludente."
Manuel de Castro. Bonsoir, Madame
e assim se extinguiu uma cidade
se estrangularam as pombas a distância.
Nunca mais direi a cor das veias
como era tecida a teia de membros que propus
- apenas esta rota sem final mas certa,
casualmente um ramo de flores sem sorriso
um fluir de cravos na penumbra
através da tua face triste, sortílega e cigana
a isto se chama saudade
a isto está morto o tacto
sem que a órbita da terra se transtorne
antes que seja tarde muito tarde
Ocorrem-me palavras: lua flutuar sereno.
Deixaram porém a sua direcção exacta
nas folhas que o Outono carboniza
como estar só é a força flexível
de tudo que se toque, e abandone.
As torres destinaram-se ruínas
-tudo se consumou sem assistência.
Onde a vida me vá eu a prossiga
com um indício irracional perfeito,
pois com o tempo os remos submergem
sempre ao mesmo nível fatigado
transeunte e rítmico
musical, nem triste, e concludente."
Manuel de Castro. Bonsoir, Madame
domingo, 21 de setembro de 2014
quinta-feira, 18 de setembro de 2014
«Em dias de alma como hoje, eu sinto bem, em toda a consciência do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia lata. Hoje, dia catorze de Março, às nove horas e dez da noite, a minha vida sabe valer isto.»
Obra em prosa de Fernando Pessoa. Livro do Desassossego por Bernardo Soares 1ª parte. Introdução e nova organização de textos de António Quadros. Publicações Europa-América p. 20
«Deixo ao cego e ao surdo
A alma com fronteiras,
Que eu quero sentir tudo
De todas as maneiras.»
...
«E como são estilhaços
Do ser, as coisas dispersas
Quebro a alma em pedaços
E em pessoas diversas.»
....
«Se as coisas são estilhaços
Do saber do universo,
Seja eu os meus pedaços,
Impreciso e diverso.»
Obra em prosa de Fernando Pessoa. Livro do Desassossego por Bernardo Soares 1ª parte. Introdução e nova organização de textos de António Quadros. Publicações Europa-América P. 17
A alma com fronteiras,
Que eu quero sentir tudo
De todas as maneiras.»
...
«E como são estilhaços
Do ser, as coisas dispersas
Quebro a alma em pedaços
E em pessoas diversas.»
....
«Se as coisas são estilhaços
Do saber do universo,
Seja eu os meus pedaços,
Impreciso e diverso.»
Obra em prosa de Fernando Pessoa. Livro do Desassossego por Bernardo Soares 1ª parte. Introdução e nova organização de textos de António Quadros. Publicações Europa-América P. 17
«A despersonalização imaginativa, onírica e intelectual, é nele permanente: Depois, ao passar diante de casa, chalés, vou vivendo em mim todas as vidas ao mesmo tempo. Sou o pai, a mãe, as filhas, as primas, a criada e o primo da criada...»
Obra em prosa de Fernando Pessoa. Livro do Desassossego por Bernardo Soares 1ª parte. Introdução e nova organização de textos de António Quadros. Publicações Europa-América., p. 17
« Uma tal proliferação de máscaras, de disfarces, de duplos, de outros eus, que são simultaneamente o mesmo e o outro, numa prodigiosa demiurgia, não pode deixar de sugerir que estamos muito para lá de uma simples mistificação literária, que todo este mundo fictício de pseudónimos, sub-heterónimos, semiheterónimos não releva de uma contingência, mas de uma necessidade.»
Obra em prosa de Fernando Pessoa. Livro do Desassossego por Bernardo Soares 1ª parte. Introdução e nova organização de textos de António Quadros. Publicações Europa-América
quinta-feira, 11 de setembro de 2014
AQUILO
"Aquilo de que gosto no teu corpo é o sexo.
Aquilo de que eu gosto no teu sexo é a boca.
Aquilo de que eu gosto na tua boca é a língua.
Aquilo de que eu gosto na tua língua é a palavra."...
Julio Cortázar. "Papéis Inesperados"
sábado, 6 de setembro de 2014
«(...) com a tristeza mais estudada que eu já vira em rosto humano.»
Diderot. A religiosa. Tradução de João Gaspar Simões. Círculo de Leitores, p. 8
sexta-feira, 5 de setembro de 2014
«Que poderia colher de tais excessos o homem que perseguia o prazer com tamanha violência? O desgosto pela vida, o profundo desprezo por si próprio. Arquejante, esgotado, nada tendo diante de si, Nero evocou as recordações e voltou-se para o alvo das suas primeiras afeições: Acteia voltou-lhe, sem dúvida, à memória, assim como o entusiasmo ingénuo e o enlevo sincero desse primeiro amor.»
«Depois de ter experimentado tudo e de tudo abusado, sentia a sede dos prazeres aumentar com a importância dos sentidos e do coração. Assim, fatigado pelos excessos de toda a espécie, que embotam as faculdades sem acalmar os apetites, Nero agitava-se numa saciedade voraz, que só podia alimentar-se de sombras e arrastava-se da falta de apetite incurável à insaciável avidez. Até mesmo onde a tudo podia atrever-se como um deus, tinha tudo a temer como um homem.»
Latour Saint-Ybars. Nero. Edição Amigos do Livro, Lisboa., p. 230
«(...) despojada dos floreados da eloquência, e dos artifícios da linguagem»
Latour Saint-Ybars. Nero. Edição Amigos do Livro, Lisboa., p. 221