quarta-feira, 18 de junho de 2014

A FORMALÍSTICA

 
O poeta cerebral tomou café sem açúcar
e foi pro gabinete concentrar-se.
Seu lápis é um bisturi
                    que ele afia na pedra,
na pedra calcinada das palavras,
imagem que elegeu porque ama a dificuldade,
     o efeito respeitoso que produz
                           seu trato com dicionário.
Faz três horas já que estuma as musas.
O dia arde. Seu prepúcio coça.
Daqui a pouco começam a fosforescer coisas no mato
A serva de Deus sai de sua cela à noite
                            e caminha na estrada,
passeia porque Deus quis passear
                                            e ela caminha.
O jovem poeta,
                                  fedendo a suicídio e glória,
rouba de todos nós e nem assina:
                                   ''Deus é impecável''.
As rãs pulam sobressaltadas
                                     e o pelejador não entende,
quer escrever as coisas
 
 
 
 
 
Adélia Prado. Com Licença Poética. Selecção e prefácio de Abel Barros Baptista. edições Cotovia, Lisboa, 2003., p.94