domingo, 18 de maio de 2014

crítico fetichista

  «Digamos que o universitário tende para a figura do crítico fetichista, isto é, aquele que, observemo-lo sem má intenção, tendo verificado a ausência de pénis na mãe, se recusa a admitir essa realidade, pela ameaça de castração que ela faz recair sobre ele próprio, e cria uma realidade substitutiva que é fétiche. Qual a função do fétiche? Por um lado, ele está no lugar da mãe. Mas, por outro, este objecto substituto, na medida em que pretende negar uma ausência, é em si mesmo o signo dessa ausência. O «universitário» procura cercar a obra literária com todo um ritual sádico em que o saber funciona, na sua acumulação ilimitada, como forma de predação. E isto tanto se pode verificar nas antiquíssimas práticas de um greimasianismo selvagem. O texto crítico está no lugar do texto criticado. Mas este processo de substituição é a marca da definitiva ausência do texto criticado. Tal ausência, geradora de alguma angústia que circula nos corredores do ensino da literatura, tende a ser anulada pela acumulação maciça de um saber sem fim - o fetichista coleciona no campo do finito na convicção de que a quantidade poderá assegurar o salto para o lado do infinito poético.»


Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 15