sábado, 19 de abril de 2014

   « - Olá, mais linda.
      -Vá bardamerda.
      -Estava a pensar em ti.
      -Largue-me mas é da mão, já lhe disse que sou uma senhora casada.
      Há meses que isto é assim. Vez por outra, quando o corpo lhe amorna em solidões, Elias marca o número-mistério e entra em linha.
     -Olha, vi-te ontem.
     -Eu também, tem piada.
     -Ias com o teu namorado.
     -Ai que mentira. Qual deles?
     -Aquele que te pregou o esquentamento.
     -Ordinário.
     Som de desligar. Elias, sempre de boca descaída, repete a marcação do número.
     -Isso faz-se? Desligar ao querido?
     -Já lhe disse que sou uma senhora casada.
     -Então estás lavadinha por baixo.
     -Ai toda, meu querido. Estou todinha. E tu? Sabes uma coisa, hoje não estou nada-nada para chatices.
    -Nem eu. Estou doentinho. (Elias mira uma unha gigante.)
    -Com quê, meu querido? Foram-te ao rabo?
    -Mais ou menos.
    -Logo vi, mas, sabes, com chantilly, filho, com chantilly.
    -Costumas pôr chantilly, é?
    -Sempre, filho. Com muitas natas. Olha vou desligar que o meu marido já chegou.
     -Chama-o lá.
     -O quê?
     -Chama-o lá, o teu marido.
     -O quê?
     -Pergunta-lhe se o gajo quer uma ajuda.
     -Ai, quer, querido, vem depressa. Sabes como é que eu estou? Olha, estou em cima da cama, que é assim no estilo de queen anne, mas, tu sabes, amor, tu já cá estiveste, não te lembras?
     -Daquela vez em que te comi de gatas, atão não me lembro.
     -Pois olha eu cá não.
      -Lembras, pois.
     -Comida de gatas? Adoro. Deves ter sido muito desajeitadinho para eu não me lembrar.
     -Até estavas com um robe castanho transparente.
     -Robe castanho deve ser confusão. A menina é muito prò moreno, o castanho não lhe cai bem. Não faz mal, foi como tu dizes.
     -Tinhas umas ligas com argolas que davam cá um tilintar que nem queiras saber.
     -Ah, foi de ligas?
     - E agora como é que tu estás?
     -Perdão?
     -Agora como é que tu estás, minha puta.
     -Ah, agora a puta está com o Sheik nas perninhas, o Sheik é o meu bassé.»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 148-150