sábado, 19 de abril de 2014

«De que serviriam as Artes, se não fossem o desdobramento e a contra-prova da existência? Eh! Bom Deus! À nossa volta só vemos em demasia a triste e desencantadora realidade; o tédio insuportável dos meios-caracteres, os amores indecisos, os esboços da virtude e de vícios, os ódios mitigados, as amizades fraquejantes, as doutrinas contraditórias, as fidelidades que têm os seus altos e baixos, as opiniões que se evaporam. Deixemo-nos, pois, sonhar que por vezes parecemos homens mais fortes e maiores, que seremos bons e mais, mas sempre resolutos. Isso faz-nos bem. Se a palidez da nossa verdade nos perseguir nas Artes, aboliremos de um só golpe o teatro e o livro, a fim de a não termos que enfrentar duas vezes. O que se deseja nas obras que fazem movimentar os fantasmas dos homens é, repito-o, o espectáculo filosófico do homem profundamente estigmatizado pelas paixões do seu carácter e dos seus tempos. É portanto a verdade desse homem e desses tempos, mas ambos elevados a um poder superior e ideal, que concentra em si todas as forças. Reconhecemo-la, a essa verdade, nas obras do pensamento, tanto quanto nos recreamos acerca das semelhanças de um quadro cujo original nunca vimos, pois um bom talento pinta a vida, de preferência aos vivos.»


Alfred De Vigny. Cinq-Mars ou uma Conjura no Reinado de Luís XIII. Os grandes romances históricos. Tradução revista por Pedro Reis. Amigos do Livro, Editores, Lisboa., p. 8