domingo, 16 de fevereiro de 2014

XXI





  «A dor não se destina apenas a um sintoma, mas também a estimular as energias vitais do paciente, que é o ser humano em geral. No caso de Maria Adelaide podemos observar as suas queixas desde muito nova e que serviam aos médicos para fazerem um diagnóstico. Desde 1889 que Maria Adelaide sofre de uma depressão profunda motivada provavelmente pela morte do pai, que sucede a 14 de Maio do mesmo ano. Em Setembro ela escreve: ''Chego a parecer doida''. Tem falhas de memória que a surpreendem, fica sem saber como se escrevem palavras que não oferecem qualquer dificuldade. Não consegue fixar a atenção num livro ou num trabalho qualquer. Sai de casa e logo deseja regressar. Colhe flores no jardim e deita-as fora. À mesa, mantém-se calada e desinteressada da conversa das pessoas presentes. Tudo isso no tempo de luto que foi interrompido pelo casamento com o doutor Cunha, casamento prematuro, dado o seu estado depressivo. Nunca chega a remeter-se dessa desordem nervosa e a imagem de Eduardo Coelho afirma-se cada vez mais na sua mente. Em 1903 piora muito. Tem trinta e dois anos e a sua instabilidade faz com que lhe seja atribuída uma neurastenia. ''A neurastenia entra no quadro das enfermidades mentais!'' - dizem os doutores mais eminentes do país. Comprometem-se a declará-la doida e entram sem hesitação na estranha perversidade de a encerrar no manicómio com o fim de ser instruído o processo de interdição.»



Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 101