sábado, 16 de novembro de 2013

A VIOLÊNCIA DAS HORAS

Todos morreram.
Morreu D.Antónia, a rouca, que fazia pão barato na cidade.
Morreu no padre Santiago, que gostava de ser saudado pelos rapazes e as raparigas, respondendo a todos, fosse a quem fosse: «Bons dias, José! Bons dias, Maria!»
 Morreu aquela jovem loura, Carlota, deixando um filhinho de meses, que também morreu, oito dias após a mãe.
  Morreu minha tia Albina, que costumava cantar tempos e modos de herdade, enquanto costurava nas galerias, para Isidora, a criada de profissão, a honradíssima mulher.
   Morreu um velho zarolho, não me lembro do nome, mas dormia ao sol da manhã, sentado à porta do funileiro da esquina.
   Morreu Raio, o cão da minha altura, ferido por uma bala de não se sabe quem.
   Morreu Lucas, meu cunhado nas paz das cinturas, de que me lembro quando chove e não há ninguém na minha experiência.
  Morreu no meu revólver minha mãe, em meu punho a minha irmã e meu irmão na víscera sangrenta, os três ligados por um género triste de tristeza, no mês de Agosto de anos sucessivos.
  Morreu o músico Méndez, alto e muito bêbedo, que solfejava no seu clarinete tocatas melancólicas, a cujo articulado adormeciam as galinhas do meu bairro, muito antes do pôr do Sol.
   Morreu minha eternidade e eu estou a velá-la.
  



César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 75