quinta-feira, 21 de março de 2013

OS PINTASSILGOS DE MIRANDELA

Nasci numa casa com gaiolas brancas
espalhadas pelo Verão
Era o meu pai vivo e o meu avô estival
entrava pela hora mais terna
enquanto encarregado das gaiolas
e a minha infância inteira decrescia
no canto da casa dos pássaros

O alpendre era de uma inclinação natural
com avô e pássaros encostados à sombra dos álamos
e as gaiolas casas que os abrigavam
do frio, da fome e dos gatos bravos
A minha alegria era quente como a terra
e contava ensinar ao meu filho bisneto
a tracção pelos grilos, caracóis
e pintassilgos na doçura das borboletas
Em Mirandela havia um vale junto a um rio
com pomares e o cheiro de figos fáceis
Os pintassilgos divididos na abundância
eram como crianças atrás das amoras
que inspiram as flores de uma música sucessiva

O Pintassilgo é a mais bela ave silvestre
e se não pudesse manter as gaiolas em casa
era como se não houvesse onde permanecer
Eles amotinavam-se nas minhas barbas
desalojam corvos e os dragões dos poemas
fazem a tarde parecer tão antiga e adormecer
como a infanta primavera em que o meu avô
era o estio e os bisnetos existiam mesmo
e os nossos olhos acariciavam os pássaros,
que é tão tarde agora para dizer aqueles que morriam
exaustos a contar os meses atrás das grades



Tiago Patrício. O Livro das Aves. Edições Quasi, 2009,.p. 33/4