domingo, 30 de dezembro de 2012

 
   «Ora muitos anos de abundância tinham atulhado os celeiros. Os rios em cheia arrastaram florestas de traves destinadas a suster tectos de bronze de templos e palácios. Caravanas de escravos deslocaram montanhas de mármore serpentino através do continente. O Grão Kan contempla um império recoberto de cidades que têm peso sobre a terra e sobre os homens, a abarrotar de riquezas e de movimento, repleto de ornamentos e de incumbências, complicado de mecanismos e de hierarquias, inchado, largo, pesado.
   «É o seu próprio peso que está a esmagar o império», pensa Kublai, e nos seus sonhos ora surgem cidades leves como papagaios de papel, cidades perfuradas como rendas, cidades transparentes como mosquiteiros, cidades nervuras de folhas, cidades linhas da mão, cidades filigrana para ver através da sua opaca e fictícia espessura.»



Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 75