domingo, 25 de novembro de 2012


« A experiência que Törless tivera constituíra essa ocasião. Por uma surpresa, um mal-entendido, a interpretação errada de uma sensação, aqueles esconderijos secretos em que se reunira tudo o que a alma de Törless tinha de oculto, proibido, sufocante, inseguro e solitário - rebentou tudo e ele derramou sobre Basini os seus mais obscuros impulsos. Pois aí, estes depararam-se de súbito, com algo quente, que respirava, algo perfumado, algo que era carne, na qual os sonhos indecisos de Törless assumiam forma e tornavam-se parte da beleza, em lugar da ácida fealdade com que Bozena os maculava na solidão. Isso abrira-lhes repentinamente uma porta para a vida, e na penumbra tudo se misturava, desejo e realidade, loucas fantasias e impressões que traziam ainda os rastos ardentes da vida, sensações exteriores que as recebiam no seu interior, envolvendo-as e tornando-as irreconhecíveis.
       Em Törless tudo isso era indistinto, formava uma só emoção, imprecisa e compacta, que, no choque inicial, se podia tomar por amor.
 
 
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 190