domingo, 5 de agosto de 2012

Há muito dessas mulheres e não é necessário que aumentes o seu número.

« - Eu parto amanhã, Nina - começou Grigóri Afanássievitch, estugando o passo - e, digo-to francamente, parto inquieto, sim, por causa disso que começou em ti. - Falava assim do amor, certo de ser compreendido por ela. - Tudo irá correr bem se te calhar um homem de verdade. Nesse caso, de acordo. Mas se do obscurecimento do teu espírito se aproveita um desavergonhado que não acredita nem em deus nem no diabo, mas apenas nos átomos?...Alguém que, para matar o tempo, leva para as montanhas as parvas pintadas, à procura não sei que pedrinhas? Destroçará a tua vida e partirá depois no seu Volga com rumo desconhecido, e tu ficarás destruída, mutilada, passando como uma estranha diante da beleza do mundo e intrigando as gentes com o teu aspecto de aflita. Há muito dessas mulheres e não é necessário que aumentes o seu número.

(...)

« - Tu não tens o direito de ser infeliz! - interrompeu-a Grigóri Afanássievitch em tom irritado. - Foste preparada para teres uma vida interessante e bela. Trouxemos-te para essa vida e pusemos-te perante ela...Pois bem, justifica-nos, a nós os velhos, ao mesmo tempo que te justificas a ti mesma. É verdade que estás numa idade propícia e que não pode ser de outra maneira, já que é uma lei da natureza, mas cuida de que isto não seja o teu fim, a tua vergonha, a tua desgraça, mas o começo, a entrada de honra na vida autêntica.»


Serguéi Antónov..As Pedrinhas Multicores. Contos soviéticos. Tradução de Sampaio Marinho. Edições Progresso, 1980, p. 528/9