A mulher está agora, pela primeira vez, dentro
da morte, nessa linha de sombra que o cavalo
procura esmagar, incitado pelo chicote. Pela primeira
vez ela descobre o seu corpo subterrâneo, o sítio onde
esconde o sangue e os pedaços de carne que se vão
espalhando pela encosta, entre as ervas. O seu riso tem
um lado negro, um apelo que sai da cintura e que o
cavalo reconhece como um pó cego, entrando pelas narinas.
Pela primeira vez ela consegue ver a sua espada. Tudo se reflecte
no seu peito, a própria imagem do cavaleiro, a chuva, os
gritos dos corvos, as cigarras. Até o Verão se cola ali,
debaixo dos seios, e escorre como lágrimas, como pêssegos
que se destroem lentamente dentro de uma travessa.
Jaime Rocha. Zona de Caça. Relógio D' Água, 2002., p.
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