domingo, 22 de janeiro de 2012

Biblioteca Real


    
          «Depois de os ter convidado a sentarem-se, o bibliotecário indicou com um gesto aos visitantes a enorme quantidade de livros que cobriam, as quatro paredes, desde o soalho até ao tecto.
         - Os senhores não ouvem? Os senhores não ouvem o barulho que eles fazem? Tenho os tímpanos furados. Estão sempre a falar ao mesmo tempo e em todas as línguas. Discutem acerca de tudo: Deus, a natureza, o homem, o tempo, o número e o espaço, o inteligível e o ininteligível, o bem e o mal, e examinam tudo, contestam tudo, afirmam tudo, negam tudo. Raciocinam acertada e desacertadamente. Uns são leves, outros pesados; uns alegres, outros tristes; uns são profundos, outros superficiais; alguns deles falam muito para nada dizer; acumulam sílabas e juntam os sons segundo as leis que eles próprios ignoram a origem e o espírito; são os mais satisfeitos de todos. Existem os de uma espécie austera e melancólica, que apenas especulam acerca de noções isentas de qualquer qualidade e se colocam cautelosamente ao abrigo das contigências naturais; debatem-se no vazio e agitam-se entre as invisíveis categorias do nada, e estes são encarniçados disputadores que utilizam para sustentar as suas entidades e os seus símbolos um furor sanguinário. »

(...)

«Não sabem, a maioria das vezes, nem aquilo que dizem nem aquilo que os outros disseram.»




Anatole France. Contos Escolhidos. Selecção, Tradução e Prefácio de Mário Braga. Companhia Editora do Minho, 1967., p. 45/6

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