quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O JUIZ

Seria uma coisa horrível. Mas não, você não ousaria um tal volte-face! Não posso acreditar! Ouve bem o que eu te digo: continua a dissimular, a fingir, o mais que puderes e os meus nervos suportarem. Continua a negar, a negar sempre, para me obrigares a sofrer, a bater com os pés no chão, a escumar de raiva, a suar, a ganir de impaciência, a rastejar...Queres que rasteje?

O CARRASCO, para o Juiz

Rasteje!


O JUIZ

Como me sinto orgulhoso!


O CARRASCO, ameaçador

Rasteje!


      O Juiz, que estava de joelhos, deita-se de barriga
      para baixo e rasteja lentamente em direcção à Ladra.
      À medida que vai avançando a Ladra recua.

Isso. Continue.


O JUIZ, para a Ladra

Que me obrigues a rastejar depois de eu ser juiz, está bem, minha marota! Mas se te recusasses definitivamente ao teu papel, isso seria um crime, minha cabra!...

A LADRA, altiva

Chame-me minha senhora e seja mais educado!

O JUIZ

E terei o que pretendo?

A Ladra, galante

Roubar, não é fácil, sabe!...

O JUIZ

Mas eu pago! Pago o que for preciso, minha senhora. Se deixasse de poder separar o Bem do Mal, para que serviria eu, diga-me, para que serviria?

A LADRA

Isso pergunto eu a mim própria.




Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976., p. 52-54

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