segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Marco

Quando Marco passava, os jovens todos
Corriam pra ver seus olhos, Sodomas
Onde os fogos de Amor sem dó queimavam
Tua pobre choça, ó fria Amizade;
E em redor dançavam odores místicos
Em que a alma, chorando, se anulava;
No ruivo cabelo um encanto roçava;
Estranhas músicas vinham do vestido
     Quando ela passava.

Quando Marco cantava, as suas mãos
Lembravam, no marfim, a escuridão
De antigas árias, nunca repetidas,
E a sua voz subia aos paraísos
Sonhados numa sinfonia imensa
E então o entusiasmo transportava
Rumo a céus conhecidos quem escutasse
Esse timbre de prata a vibrar sempre
     Quando ela cantava.


Quando Marco chorava, as suas lágrimas
Venciam o brilho das mais belas armas;
Escurecia a cor dos lábios de sangue
E o desespero já não era humano;
Como lareira que o óleo excita,
Crescia a fúria, rubra, e era quase
A de uma leoa no bosque selvagem
Transmitindo uma cólera terrível,
     Quando ela chorava.

Quando ela dançava, a saia irisada
Tal como as marés, ia e regressava
E, quais bambus flexíveis, os seus flancos
Torciam-se e mostravam os seios brancos:
Um raio partia. A perna de mármore,
Clinicamente enfática, elevava
Os mares esplendores, o que imitava
O rumor de vento, à noite, nas árvores,
      Quando ela dançava.

Quando Marco dormia, ah! que odores de âmbar
E carne sufocavam toda a câmara!
Sob os lençóis ondeava a excelsa linha
Das costas, e na sombra das cortinas
Subia o hálito, ritmado e leve;
Um sono feliz e calmo cobria
Os olhos, e esse enigma concedia
Encanto à credência e aos seus objectos,
        Quando ela dormia.

Mas quando amava, caudais de lascívia
Transbordavam, tal como de uma ferida
Sai, vermelho, o sangue, a fumegar, vivo,
Do cruel corpo, absolvido plo crime;
Torrente a romper os diques da alma,
Afogava as ideias, transtornava
Tudo à sua passagem e pulava,
Devorador e suave, como chama.
         E por fim gelava.




Paul Verlaine. Poemas Saturianos e Outros. Tradução, prefácio, cronologia e notas de Fernando Pinto Amaral. Assírio&Alvim ., p. 121-125

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