quinta-feira, 11 de agosto de 2011

«Mas o homem tem uma predilecção por sistemas e deduções abstractas que está pronto a distorcer a verdade intencionalmente, está pronto a negar as evidências que advém dos sentidos, somente para justificar a sua lógica. Escolhi este exemplo porque é o caso mais flagrante do que acabei de dizer. Basta olharmos à nossa volta: o sangue é derramado aos litros e com o mais leve dos ânimos, como se fosse champanhe. Veja-se o exemplo de todo o século XIX no qual Buckle viveu. Veja-se Napoleão, o Grande, e também o actual. Veja-se a América do Norte - a eterna união. Veja-se a farsa de Schleswig-Holstein...E afinal o que é que a civilização torna mais brando em nós? A única mais-valia da civilização para a humanidade é possibilitar uma maior variedade de sensações...e absolutamente mais nada. E com o desenvolvimento da capacidade de ser multifacetado, o homem pode chegar a ponto de encontrar prazer no derramamento de sangue. De facto, isto já lhe aconteceu. Já repararam que os homens mais civilizados foram os sanguinários mais subtis, aos calcanhares de quem os Átilas e os Stenka Razins não conseguem chegar?»





Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 24/5

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