Quantas emílias houve na minha vida?
Vou contá-las:
a primeira, é a brontë. Uma emília do
campo, selvagem, solitária, fugindo pela
porta das traseiras sempre que o
heathcliff lhe assobiava aos ouvidos.
(Uma noite, ao fechar a janela do quarto,
na província, a mão dela agarrou-me a tempo - é
que o vento queria entrar em casa: o vento
norte, esse que faz voar reposteiros e folhas,
e fica a bater nos vidros se o
deixarmos lá fora);
a segunda é a dickinson; mas
conheço-a pior do que à outra. É
diferente um amor de adolescência, como o que
tive pela amante de heathcliff, do que paixões
de maturidade, em que a razão e emoção coexistem em pratos
iguais da balança.
(Esta emily vestia-se de
branco, enquanto que a primeira gostava de roupas
escuras. É verdade que ambas tinham relações com
presbíteros; mas admito que fossem de natureza diferente,
e que o freud não se aplique do mesmo modo
a uma ou a outra).
Sento-as, então, à mesma mesa, comigo
em frente. Digo-lhes: «Amo-vos. Tu, a inglesa,
amo-te como esse vento frio
ama os prados por onde corre, à noite, soltando
sombras e fantasmas; e a ti, à americana, amo-te
como o caruncho devora as madeiras das traves
e dos sótãos, com o rumor surdo que percorre
os desvios da eternidade.»
Ouço-as rirem-se de mim. O amor não é
isto, dizem-me. E deixo-as à conversa uma com a
outra, no seu esconderijo
de pântanos e cemitérios.
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 11/12
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