sexta-feira, 8 de julho de 2011

A chama


     Aproxima-se, Platero. Anda cá...aqui não há cerimónias. O caseiro sente-se feliz a teu lado porque és dos dele. Alí, o seu cão, sabes bem que simpatiza contigo. E eu, nem te digo nada, Platero!...Que frio fará no laranjal! Já estás a ouvir o Raposo: Quera Deus que num se quemem muntas laranjas!
     Não gostas do lume, Platero? Não acredito que alguma mulher nua pudesse comparar o seu corpo às labaredas. Que cabeleira solta, que braços, que pernas resistiriam a uma comparação com esta ígnea nudez? Talvez a natureza não tenha melhor modelo que o fogo. A casa está fechada e a noite fora e só; e, no entanto, como estamos perto da natureza, Platero, nesta janela aberta para o antro plutónico! O fogo é o universo dentro de casa. Colorido e interminável, como o sangue de uma ferida do corpo, aquece-nos e marca-nos , como todas as memórias do sangue.
    Platero, que bonito é o fogo! Olha como Alá, quase a queimar-se nele, o contempla com os seus vivos olhos abertos. Que alegria! Estamos envoltos em danças de ouro e danças de sombras. Toda a casa dança, e se encolhe e se agiganta, em jogo fácil, como os russos. Todas as formas surgem dele, num encanto infinito: ramos e pássaros, o leão e a água, o monte e a rosa. Olha: mesmo nós, sem querer, dançamos na parede, no chão, no tecto.
    Que loucura, que embriaguez, que glória! O próprio amor parece morte, aqui, Platero.



Juan Ramón Jiménez. Platero E Eu. Tradução de Luís Lima Barreto. Edições Cotovia, Lisboa, 2007, p.149

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