sábado, 4 de junho de 2011

Arrependimento e lágrimas devidas ao engano da vida

     Foge sem perceber-se, lento, o dia,
e a hora secreta e recatada
silenciosa chega e, maltratada,
leva consigo a minha louçania.
     A vida nova, que em infância ardia,
a juventude forte e enganada,
no derradeiro inverno sepultada,
jazem em negra sombra e neve fria.
    Não senti resvalar, mudos, os anos;
hoje choro-os passados, bem os vejo
rir-se de minhas lágrimas e danos.
    O meu remorso deva a meu desejo,
pois devem-me a vida os meus enganos,
não creio nem na dor em que latejo.



Francisco Quevedo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento, Assírio & Alvim, Lisboa, 1987, p.33

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