quinta-feira, 21 de abril de 2011

«Seja como for, quero eu dizer tenha ou não me tenha visto, repito que o via afastar-se, a braços (eu) com a tentação de me levantar e de o seguir, de ir mesmo talvez com ele um dia, para o conhecer melhor, para eu próprio ficar menos sozinho. Mas apesar de este impulso da minha alma para ele, e o elástico da minha alma, por causa da obscuridade e também do terreno, atrás de cujas pregas desaparecia de vez em quando, para tornar a emergir mais adiante, mas sobretudo creio por mor das outras coisas que me chamavam e para as quais igualmente a minha alma devorava uma após outra, sem método e esbaforida. Falo naturalmente dos campos embranquecendo sob o carvalho e dos animais deixando de neles vaguear sem tomar as suas atitudes nocturnas, do mar do qual não direi palavra, do céu onde sem as ver sentia estremecer as primeiras estrelas, da minha mão sobre o meu joelho e ainda sobretudo do outro passeante.»


Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 13/4

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