segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

« - Ó meu rico senhor, tenha dó! Ando mirradinha de fome! Já nem me recorda que engolisse um escravelhinho...
     O bicho não respondeu; mas, sempre à espreita, viu-lhe a Salta-Pocinhas abrir as pálpebras, sacudir as orelhas, soprar, fungar, coriscar lume das pupilas verdes, dando em tudo sinal de incomodado. E renovou a cantilena:
-Ó meu rico senhor!
-Qual rico senhor, nem qual diabo! - regougou afinal D. Salamurdo. - Não tenho nada que dar, mas, tivesse eu galinhas ou patas aos montes, sob pena de para aí apodrecerem, não eram para você que vem empestar-me a casa. Apre, quando tiver de pedir esmola a portas de certa teoria, lave-se primeiro, trate de desencardir-se da catinga, que fede à légua!» 



Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 29/30

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