Esta noite de espera deixa-me uma aberta para
o exterior
e o interior. Não distingo claramente. Talvez
grandes máscaras deterioradas, agrafes metálicos;
as sandálias dos mortos torcem-se na humidade,
movem-se sozinhas como se caminhassem sem pés
- não caminham;
e essa grande rede do banho, quem a teceu?
nó a nó - não se desfaz -, negra - não é a mãe.
Uma sombra imensa alonga-se por cima das ar-
cadas;
uma pedra destaca-se e cai na ravina - no entanto
ninguém caminhou -
e depois nada; e subitamente um ramo quebrado
pelo peso ligeiro do céu. As rãs
saltam, ágeis e mudas, na erva húmida. Silêncio.
No poço caem ratos cor de cinza, afogam-se;
constelações espessas movem-se lentamente; dei-
tam-se fora
coisas que os banquetes abandonam, ânforas, taças,
espelhos e cadeiras.
ossos de animais, liras e diálogos inteligentes. Os
poços nunca enchem.
Dir-se-ia que dedos de fogo, dedos de orvalho
passam sucessivamente pelo nosso peito,
descrevendo círculos inquiridores em torno dos
nossos mamilos
e também nós flutuamos de círculo em círculo,
em torno dum centro
desconhecido, indefinido e no entanto definido;
círculos infindáveis
em torno dum grito mudo, em torno duma facada;
e a faca
mergulha, creio, no nosso coração e este torna-se
o centro
como o poste no meio da eira, na colina,
e em torno os cavalos, as espigas, os malhadores,
os condutores
e as ceifeiras entre as medas, com a cabeça da
lua nos ombros,
ouvindo o relincho dos cavalos até ao extremo
do seu sono,
ouvindo os touros urinar nos salgueiros e nas
silvas
e os pés inumeráveis da centopeia e do cântaro,
o rastejar da serpente tranquila nos olivais
e o crepitar da pedra ardente que se contrai ao
arrefecer.
Yannis Ritsos. poemas. Selecção e Trad. de Egito Gonçalves. Prefácio de Carlos Porto. 1ª ed. Fevereiro, 1984. Editora Limiar., p.72/3
Sem comentários:
Enviar um comentário