sábado, 6 de novembro de 2010

Delia Elena San Marco

 
Despedimo-nos numa das esquinas do Once.
Da outra vereda voltei a olhar; você tinha-se voltado e disse-me adeus com a mão.
Um rio de veículos e de gente corria entre nós; eram cinco horas de uma tarde qualquer; como iria eu saber que aquele rio era o triste Aqueronte, o insuperável.
Não nos vimos mais e um ano depois você tinha morrido.
E agora eu busco essa memória e olho-a e penso que era falsa e que por detrás da despedida trivial estava a infinita separação.
À noite saí depois de comer e reli, para compreender estas coisas, o último ensinamento que Platão põe na boca do seu mestre. Li que a alma pode fugir quando morre a carne.
E agora não sei se a verdade está na aziaga interpretação ulterior ou na despedida inocente.
Porque se não morrem as almas está certo que nas suas despedidas não haja qualquer ênfase.
Despedir-se é negar a separação, é dizer: Hoje fingimos que nos separamos, mas ver-nos-emos amanhã. Os homens inventaram o adeus porque sabem de algum modo imortais, ainda que se julguem contingentes e efémeros.
Delia: um dia reataremos (junto a que rio?) esse diálogo incerto e perguntar-nos-emos se, numa cidade que se perdia numa planície, fomos Borges e Delia.
 
 
 
 
Jorge Luís Borges. O fazedor. Trad. de Miguel Tamen. Difel, Lisboa., p.27

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