quinta-feira, 14 de outubro de 2010

«Tenho um espinho cravado no coração, um espinho que não pára de me causar dor, enquanto me entrego ao trabalho diário, e que me parece nem sequer me dar tréguas quando durmo. Mal desperto, de manhã, vejo que o céu perdeu i fulgor. Que se passa? Que aconteceu?
O meu espírito tornou-se tão sensitivo que até a minha vida passada, que se me apresentara sob o disfarce da felicidade, parece arrancar-me o coração, com a sua falsidade. A vergonha e a mágoa que se aproximam cada vez mais vão perdendo o ar secreto, velado, e perdem-no principalmente porque tentam ocultar o rosto. O meu coração é todo olhos. Tenho de ver as coisas que não deveriam ser vistas, as coisas que não quero ver.
Chegou finalmente o dia em que a minha vida maltratada tem de divulgar a sua pobreza, o seu desamparo, numa longa série de revelações. Esta penúria tão inesperada instalou-se no coração onde parecia reinar a plenitude. O que paguei à ilusão durante nove anos, apenas, da minha juventude tem agora de ser pago com juros à Verdade, até ao fim dos meus dias.
De que me serve esforçar-me para conservar o meu orgulho? Que mal pode haver em confessar que falta em mim qualquer coisa? Talvez me falte a firmeza, a impetuosidade cega que as mulheres gostam de encontrar nos homens.»





Rabindranath Tagore. A casa e o mundo. Trad. de Fernanda Pinto Rodrigues. Minerva de Bolso. 1ª ed., 1973, p. 31

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