domingo, 8 de agosto de 2010

«A primeira, é que V. simplesmente teve sorte, e não há nada de mal com isso. O nosso inimigo queixava-se de Napoleão pode ele ter generais com sorte, ao que o imperador retorquia que não gostava de generais com sorte, princípio para mim fundamental para a prática da profissão.» (p.17)
«O primeiro toca ao mistério que desde sempre tem intrigado os afasiologistas e que se refere ao estado mental dos afásicos, ou seja, o que pensa e como pensa aquele que não consegue de modo algum comunicar o pensamento. Aliás, esta questão é tão inquietante como a de tentar perceber o que sentem aqueles que se encontram no chamado «estado vegetativo persistente», em cuja intimidade receamos penetrar, esquecendo talvez que as flores também sofrem.» (p.18)
«Curiosamente, V. prende sempre a sua memória à imaginação indissociáveis e indispensáveis à sua criação literária.» (p.19)
«Uma última palavra. Para Keats, o desafio da poesia do futuro era «thinking into the human heart». Os cientistas deste e do próximo século sabem que a tarefa é «thinking into human brain», pois continuamos todos sem saber por que é que o «binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo». Mas como dizia a personagem do nosso Eça, certas coisas não se sabem e é preferível não se saberem. Não será melhor assim?
Ab imo corde. » (p.22)

João Lobo Antunes

Páscoa de 1997



in José Cardoso Pires. De Profundis, Valsa Lenta. Círculo de Leitores. Lisboa, 1998

Sem comentários:

Enviar um comentário