O senhor Valéry não era bonito. Mas também não era feio.
Há muito tempo atrás havia decidido trocar os espelhos por quadros de paisagens. Desconhecia, pois, o seu aspecto exterior actual.
O senhor Valéry dizia:
- É preferível assim.
E explicava:
- Se me visse bonito ficaria com medo de perder a beleza; e se me visse feio ficaria com ódio às coisas belas. Assim, não tenho medo nem ódio.
E sem ser bonito nem feio, o senhor Valéry passeava pelas ruas da cidade, olhando, com atenção, para as pessoas com quem se cruzava.
Ele explicava:
- Se me sorrirem percebo que estou bonito, se desviam os olhos percebo que estou feio.
Teorizando dizia ainda:
-A minha beleza é actualizada a cada instante pela cara dos outros.
Por vezes, depois de se cruzar com alguém que desviava os olhos, o senhor Valéry, percebendo, passava a mão pelo seu cabelo, penteando-se ao mesmo tempo que procurava um outro rosto dentro de si próprio, agora mais agradável.
O senhor Valéry comentava, em jeito de conclusão:
- O espelho é para os egoístas.
- E o desenho? - perguntaram-lhe.
- Hoje não há desenho - respondeu o senhor Valéry, e despediu-se logo de todos com um movimento brusco, mas gentil.
As pessoas gostavam do senhor Valéry.
Gonçalo M. Tavares. O Senhor Valéry. Editorial Caminho, Lisboa, 2002., p. 49/50
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