quarta-feira, 16 de junho de 2010

Custa-me crer que eu morra. Pois estou borbulhante numa frescura
frígida. Minha vida vai ser longuíssima porque cada instante é. A
impressão é que estou por nascer e não consigo.
Sou um coração batendo no mundo.
Você que me lê que me ajude a nascer.
Espere: está ficando escuro. Mais.
Mais escuro.
O instante é de um escuro total.
Continua.
Espere: começo a vislumbrar uma coisa. Uma forma luminescente.
Barriga leitosa com umbigo? Espere – pois sairei desta escuridão onde
tenho medo, escuridão e êxtase. Sou o coração da treva.
O problema é que na janela do meu quarto há um defeito na cortina. Ela
não corre e não se fecha portanto. Então a lua cheia entra toda e vem
fosforescer de silêncios o quarto: é horrível.
Agora as trevas vão se dissipando.
Nasci.
Pausa.
Maravilhoso escândalo: nasço.


Clarice Lispector. Água Viva. (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993)., PP.99


(citação de artigo literário)

1 comentário:

  1. Magnífico texto de Clarice Lispector. centra-nos no espaço e faz vivenciar as sensações que transmite.

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