sábado, 13 de março de 2010

Limites

Destas ruas que afundam o poente
Uma (mas qual?) já tenho percorrido
Pela última vez, indiferente
E sem adivinhá-lo, submetido

A Quem prefixa omnipotentes normas
E uma secreta e rígida medida
Às sombras e aos sonhos e às formas
Que destecem e tecem esta vida.

Se para tudo há um termo e há medida,
Última vez e nunca mais e olvido,
Nesta casa de que pessoa querida
Nos despedimos sem ter sabido?

A noite cessa p'ra lá da vidraça
E da pilha dos livros que truncada
Sombra pela indecisa mesa espaça
Há-de havê-los dos quais não lemos nada.

No Sul ao menos um portão arruinado
Existe com jarrões de alvenaria
E nopais dentro, que me está vedado
Como se fosse uma litografia.

Fechaste alguma porta pela certa
E para sempre. Um espelho em vão te aguarda.
Julgavas a encruzilhada aberta
E Jano quadrifonte está de guarda.

Entre as tuas memórias uma existe
Que sem remédio se veio a perder;
Àquela fonte não te hão-de ver
Descer o branco sol, a lua triste.

Não volta a tua voz a quanto o persa
Disse em língua de aves e de rosas,
Quando ao sol-pôr, perante a luz dispersa,
Quiseres dizer inolvidáveis cousas.

E o incessante Ródano e o lago,
Esse ontem, sobre o qual hoje me inclino,
Tão perdido estará como Cartago,
Sepulta em fogo e sal pelo latino?

Parece-me na alva que soou
Vivo rumor de gente. Assim vos vais,
(Foi tudo quem me quis e me olvidou)
Espaço e tempo e Borges já deixais.


Jorge Luis Borges in Poemas Escolhidos. Edição bilingue. Selecção e Trad. Ruy Belo.
Dom Quixote, Lisboa, 2003, pp.31-33

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