quinta-feira, 28 de janeiro de 2010



Rita Nunes, 1997, curta-metragem Menos 9

Começou a mexer o café com leite com a colherzinha. O líquido quase transbordava, empurrado pelo movimento do utensílio de alumínio (o recipiente era vulgar, o sítio era ordinário e a colher estava gasta, viscosa de tanto ser usada). Ouvia-se o barulho do metal contra o vidro. Tim, tim, tim, tim. E o café com leite dava voltas e mais voltas, com uma cova no meio. Um maelstrom. E eu estava sentado mesmo em frente. O café estava à pinha. O homem continuava a mexer e a remexer, imóvel, e sorria ao olhar-me. Senti uma coisa subir por mim acima. Fitei-o de tal maneira que se sentiu na obrigação de se explicar:
-O açúcar ainda não se desfez todo.
Para mo provar, bateu com a colher várias vezes no fundo do copo. Recomeçou a mexer metodicamente a beberragem, com uma energia redobrada. Voltas e mais voltas, sem descanso, e o ruído da colher na borda do vidro. Trum, trum, trum. Incessante, incessante, sem descanso, eternamente. Voltas e mais voltas e mais voltas. E olhava para mim, sorrindo. Então puxei pela pistola e disparei.

Max Aub Mohrenwitz in Crimes Exemplares. Trad. Jorge Lima Alves. Antígona, 2008 (pp.24)

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