Se os poetas fossem menos patetas
E se fossem menos preguiçosos
Faziam toda a gente feliz
Para poderem tratar em paz
Dos seus sofrimentos literários
Construíam casas amarelas
Com grandes jardins à frente
E árvores cheias de zaves
De mirliflautas e lizores
De melharufos e toutiverdes
De plumuchos e picapães
E pequenos corvos vermelhos
Que soubessem ler a sina
Havia grandes repuxos
Com luzes por dentro
Havia duzentos peixes
Desde o crusco ao ramusão
De libela ao papamula
Da orfia ao rara curul
E da alvela ao canissão
Havia um ar novo
Perfumado odor das folhas
Comia-se quando se quisesse
E trabalhava-se sem pressa
A construir escadarias
De formas nunca antes vistas
Com madeiras raiadas de lilás
Lisar como ela sob os dedos
Mas os poetas são uns patetas
Escrevem para começar
Em vez de se porem a trabalhar
E isso traz-lhe um remorso
Que conservam até à morte
Encantados de ter sofrido tanto
Dedicam-lhes grandes discursos
E são esquecidos num dia
Mas se trabalhassem mais
Só seriam esquecidos em dois
Boris Vian in canções e poemas . Assírio & Alvim, 1997 .Trad. Irene Freire Nunes
Fernando Cabral Martins
Outro grande nome. Felicito-te pelas tuas escolhas de leituras.
ResponderEliminar"Mas se trabalhassem mais
ResponderEliminarSó seriam esquecidos em dois"
Um final perfeito para um poema elucidativo.
Grande Boris.