terça-feira, 21 de julho de 2009

A vasta procura

Anterior ao tempo ou fora do tempo (ambas
as frases são vãs) ou num lugar que não é do espaço,
há um animal invisível, e talvez diáfano,
que nós homens procuramos e que nos procura.
Sabemos que não pode ser medido, Sabemos que
não pode ser contado, porque as formas que o
somam são infinitas.
Há quem o tenha procurado num pássaro, e
feito de pássaros; há quem o tenha procurado numa
palavra ou nas letras dessa palavra; há quem
o tenha procurado, e o procure, num livro anterior
ao arábico em que foi escrito, e anterior ainda a todas
as coisas; há quem o procure na frase Sou O Que Sou.
Como as formas universais da escolástica ou os
arquétipos de Whitehead, costuma descer, fugazmente.
Dizem que habita os espelhos, e quem se olha O olha.
Há quem o veja ou entreveja na formosa memória
de uma batalha ou em cada paraíso perdido.
Conjectura-se que o seu sangue lateja no teu
sangue, que todos os seres o engendram e foram
engendrosos por ele e que basta inventar uma
clepsidra para medir a sua eternidade.
Espreita nos crepúsculos de turnos, no olhar de
uma mulher, na antiga cadência do hexâmetro,
na ignorante aurora, na lua do horizonte ou da metáfora.
Fogem-nos de segundo a segundo. A frase
do romano gasta-se, as noites roem o mármore.


Jorge Luis Borges (1985)
in Os conjurados
Editora Difel, 2ª ed.
Tradução de Maria da Piedade M. Ferreira e
Salvado Teles de Meneses

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