quarta-feira, 29 de julho de 2009

Ode à melancolia

Não, não te aproximes do rio Letes, nem queiras
recolher
o vinho venenoso do acónito, cujas raízes estão entrelaçadas;
evita que a tua fonte pálida se deixe beijar
pela beladona, as vermelhas bagas de Prosérpina;
não teças o teu rosário com as sementes dos cipestres,
nem deixes que o escravelho ou a borboleta nocturna
sejam a tua fúnebre Psique, ou que se torne o mocho,
de penugem tão macia, o confidente da tua dor misteriosa
- porque, unida às outras sombras, uma sombra virá
cheia de torpor
e há-de extinguir, dentro da tua alma, uma angústia vigilante.

Mas se, inesperado, o acesso de melancolia descer
do céu, como se fossem as lágrimas de uma nuvem
que reanima as flores, cujas hastes tristemente pendiam,
e as verdes colinas oculta sob um véu primaveril,
então, deixa que se tranquilize a tua dor sobre uma rosa
matinal,
sobre o arco-íris que surge junto às vagas e à areia salgada
ou sobre o esplendor esférico das peónias;
ou se, cheia de delícia, aquela que tu amas se exalta,
pega na sua mão delicada, deixa que ela delire
e bebe nos seus incomparáveis olhos, longamente.

Como ela vive a beleza - a beleza que deve morrer,
e a alegria cuja mão se leva aos lábios
para dizer adeus; e, próximo, fica o doloroso prazer
que se transforma em veneno quando as abelhas dos lábios o
aspiram.
Sim, no interior do próprio templo da alegria
está o altar soberano da melancolia, coberta de véus,
apenas visível para aquele que consegue provar
as uvas da alegria, com um impetuoso e puro desejo;
mas o seu espírito depois há-de sentir amargamente
o poder que ela tem ao ficar entre os seus troféus
nebulosos...

Keats
in Poesia Romântica Inglesa (Byron, Shelley, Keats)
Relógio D'Água, 1992
Trad: Fernando Guimarães

2 comentários:

  1. Definitivamente não há nada a fazer! Tenho que comprar o livro!
    Rendo-me! Fui atingido pelas flechas dos versos!

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