quinta-feira, 30 de maio de 2024
''nevoeiro fabril e de salitre''
José Almada Negreiros. Nome de Guerra. Livros RTP. Editorial Verbo. p. 15
« Estas raparigas tiveram todas a mesma vida mais ou menos fantasiada e uma única história absolutamente verídica e a qual as levou todas a dançar na mesma sala. A história verídica é a única que vale e pode-se contar: o primeiro homem que elas conheceram era um pulha! E cada uma teve o seu para virem juntar-se todas ali na sala das distrações, dos estranhos e do esquecimento.»
ÀS VEZES O DIA COMEÇA À NOITE
José Almada Negreiros. Nome de Guerra. Livros RTP. Editorial Verbo. p. 14
III
UMA JUDITE QUE NÃO SE CHAMA ASSIM
- Eu não me chamo Judite. Mas não digas nada a ninguém. O meu nome verdadeiro é...
E calou-se.
Judite é um nome de mulher a quem a Bíblia faz cortar a cabeça de Holofenernes. Assim são verdadeiros e garantidos. O teatro fez-lhes tragédias para ressuscitá-los.»
O nosso íntimo pessoal é inatingível por outrem. E é este o fundamento de toda a humanidade, de toda a Arte e de toda a Religião. O nosso íntimo pessoal é de ordem humana, estética e sagrada. Serve apenas o próprio. É o seu único caminho. O melhor que se pode fazer em favor de qualquer é ajudá-lo a entregar-se a si mesmo. Com o seu íntimo pessoal cada um poderá estar em toda a parte, sejam quais forem as condições sociais, as mais favoráveis e as mais adversas. Sem ele, nem para fazer número se aproveita ninguém.»
«As vacas chamam-se e os donos apelidam-se. A vaca é Pomba, Estrela, Aurora ou Vitória como uma pessoa podia ser apenas José, Maria, Luís ou Judite. É a domesticidade que leva a estas designações e para evitar o opróbrio da fria enumeração. São efeitos da gentileza com facilidades para distinguir. »
José Almada Negreiros. Nome de Guerra. Livros RTP. Editorial Verbo. p. 9
segunda-feira, 27 de maio de 2024
"Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca."
Clarice Lispector, no livro “Aprendendo a viver”. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.
"Ainda bem que sempre existe outro dia. E outros sonhos. E outros risos. E outras pessoas. E outras coisas." Clarice Lispector
"Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. (...) Nem sei como lhe explicar minha alma. Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até um certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias. (...) Pretendia apenas lhe contar o meu novo carácter, ou falta de carácter. (...) Querida, quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma num boi? Assim fiquei eu... em que pese a dura comparação... Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também minha força. Espero que você nunca me veja assim resignada, porque é quase repugnante. (...) Uma amiga, um dia desses, encheu-se de coragem, como ela disse, e me perguntou: você era muito diferente, não era? Ela disse que me achava ardente e vibrante, e que quando me encontrou agora se disse: ou essa calma excessiva é uma atitude ou então ela mudou tanto que parece quase irreconhecível. Uma outra pessoa disse que eu me movo com lassidão de mulher de cinquenta anos. (...) o que pode acontecer com uma pessoa que fez pacto com todos, e que se esqueceu de que o nó vital de uma pessoa deve ser respeitado. Ouça: respeite a você mais do que aos outros, respeite suas exigências, respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você - pelo amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa perfeita - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse o único meio de viver.
" Clarice Lispector, in 'Carta a Tânia [irmã de Clarice] (1947)'
POEMA DO DESEJO
domingo, 26 de maio de 2024
''(...) da destruição do que foi, nasce, em brasa, o que há-de vir.''
COISAS QUE ARDEM FACILMENTE de Vedrana Klepica
sábado, 18 de maio de 2024
«Falando aos Apóstolos, Cristo diz-lhes: « Vós sois o sal da terra» (Mat. 5:13). Mas o sal tem também um lado negativo. Associado à sede que provoca, pode significar a insaciável sede dos bens do mundo, enquanto que o seu sabor amargo ilustra o pesar, a dor, a amargura, enfim. Daí que as lágrimas, por serem salgadas, estejam associadas à imagem do mar.»
Ana Hatherly. Poesia Incurável. Aspectos da Sensibilidade Barroca. Editorial Estampa. 1ª Edição. Outubro 2023., p. 15
domingo, 5 de maio de 2024
sábado, 27 de abril de 2024
segunda-feira, 15 de abril de 2024
PEQUENO POEMA
Serra-Mãe, 7 de Março de 1945.
Quando eu nasci,
Ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais…
Somente,
esquecida das dores
a minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.
As nuvens não se espantaram,
Não enlouqueceu ninguém…
Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe…
Sebastião da Gama
(...)
Fêmeas somos
fiéis à nossa imagem
oposição sedenta que vestimos
Novas Cartas Portuguesas (Edição Anotada) de Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta. Organização de Ana Luísa Amaral. Publicações Dom Quixote. 1ª Edição: 1972. 3ª Edição anotada, janeiro de 2017. p. 30/31
''A mente escreve e mente.''
Novas Cartas Portuguesas (Edição Anotada) de Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta. Organização de Ana Luísa Amaral. Publicações Dom Quixote. 1ª Edição: 1972. 3ª Edição anotada, janeiro de 2017. p. 26
''Atenta, pois, nisto: o perigo de nos querermos ou nos negarmos.''
Novas Cartas Portuguesas (Edição Anotada) de Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta. Organização de Ana Luísa Amaral. Publicações Dom Quixote. 1ª Edição: 1972. 3ª Edição anotada, janeiro de 2017. p. 21
Compared to What?
A-Hangin' on, with push and shove
Possession is the motivation
that is hangin' up the God-damn nation
Looks like we always end up in a rut (everybody now!)
Tryin' to make it real, compared to what? C'mon baby!
Twisted children killin' frogs
Poor dumb rednecks rollin' logs
Tired old lady kissin' dogs
I hate the human love of that stinking mutt (I can't use it!)
Try to make it real, compared to what? C'mon baby now!
Folks don't know just what it's for
Nobody gives us rhyme or reason
Have one doubt, they call it treason
We're chicken-feathers, all without one nut. God damn it!
Tryin' to make it real, compared to what? (Sock it to me)
Tryin' to duck the wrath of God
Preacher's fillin' us with fright
They all tryin' to teach us what they think is right
They really got to be some kind of nut (I can't use it!)
Tryin' to make it real, compared to what?
Where's my God and where's my money?
Unreal values, crass distortion
Unwed mothers need abortion
Kind of brings to mind ol' young King Tut (He did it now)
Tried to make it real, compared to what?!
quinta-feira, 11 de abril de 2024
Lena d'Água - O que fomos e o que somos
terça-feira, 9 de abril de 2024
Minha mãe
Ó minha mãe minha mãe
Ó minha mãe minha amada
Quem tem uma mãe tem tudo
Quem não tem mãe não tem nada *
Quem não tem mãe não tem nada
Quem a perde é pobrezinho
Ó minha mãe minha mãe
Onde estás que estou sózinho
Estou sózinho no mar largo
Sem medo à noite cerrada
Ó minha mãe minha mãe
Ó minha mãe minha amada
* Quadra popular
domingo, 7 de abril de 2024
«(...), não imaginei que a ela se lhe esgotasse tão depressa o sentimento que dizia sentir por mim, nem que se lhe começassem a esfriar os suspiros, e que o seu coração se fosse dar a outro.»
Juan Rulfo. A planície em chamas. Tradução do original de Ana Santos. Cavalo de Ferro, 1ª edição, 2003., p. 130
« - Aprende isto, filho: no ninho novo tem que se deixar um ovo. Quando a velhice te rondar, aprenderás a viver, saberás que os filhos abalam, que não te agradecem nada; que comem até a tua lembrança.»
Juan Rulfo. A planície em chamas. Tradução do original de Ana Santos. Cavalo de Ferro, 1ª edição, 2003., p. 105
« - Não encontro que dizer, pai, até o desconheço. O que é que ganhei com o facto de você me ter criado? Só trabalhos. Só me trouxe ao mundo e desenrasca-te como puderes. Nem sequer me ensinou o ofício de fogueteiro, pra que não lhe fizesse sombra. Vestiu-me uns calções e uma camisa e lançou-me nos caminhos pra que aprendesse a viver por minha conta e quase me punha na rua de sua casa com uma mão à frente e outra atrás. Olhe, o resultado é este: estamos a morrer de fome. A nora e os netos e este seu filho, como quem diz, toda a sua descendência, estamos quase a desistir e cair bem mortos. E a raiva que dá é que é de fome. Você acha que isto é legal e justo?»
Juan Rulfo. A planície em chamas. Tradução do original de Ana Santos. Cavalo de Ferro, 1ª edição, 2003., p. 104«San Juan Luvina. Aquele nome soava-me a nome de céu. Mas aquilo é purgatório. Um lugar moribundo onde até os cães morreram e já não há nem quem ladre ao silêncio; pois assim que uma pessoa se acostuma ao vendaval que ali sopra, não se ouve senão o silêncio que há em todas as solidões. E isso acaba cm uma pessoa. Olhe para mim. Acabou comigo. Você que vai para lá depressa compreenderá o que lhe digo...»
Juan Rulfo. A planície em chamas. Tradução do original de Ana Santos. Cavalo de Ferro, 1ª edição, 2003., p. 97
«Dura o que tiver de durar.»
Juan Rulfo. A planície em chamas. Tradução do original de Ana Santos. Cavalo de Ferro, 1ª edição, 2003., p. 97
''bagaços de acácia''
Juan Rulfo. A planície em chamas. Tradução do original de Ana Santos. Cavalo de Ferro, 1ª edição, 2003., p. 97
Love is Blind
Love is only sorrow
Love is no tomorrow
Since you went away
Love is blind
How well I remember
In the heat of summer pleasure
Winter fades
Before I can't remember
Memories I should forget
I've been burning
Since the day we met
Love is without a mercy
Love is "now you've hurt me
"Now you've gone away"
Love is blind
Love is no horizon
And I'm slowly dying
Here in yesterday
Waking to the sound of weeping
Someone else should weep for me
Now it's over
Lover, let me be
Love is your caress
Love is tenderness
And momentary pain
Love is blind
How well I remember
In the heat of summer pleasure
Winter fades
Os Velhos Mestres: quão bem entenderam
A condição humana; como está presente
Enquanto alguém se alimenta ou abre uma janela ou monotonamente segue a caminhar;
Como, enquanto os velhos esperam apaixonada e reverentemente
Pelo miraculoso nascimento, deve sempre haver
Crianças que não queriam especialmente que acontecesse, patinando
Num lago na orla da floresta:
Nunca esqueceram
Que até o mais terrível martírio deve seguir o seu curso,
Custe o que custar, a um canto, nalgum lugar descuidado
Onde os canídeos acorrem em suas vidas de cão, e o cavalo do torturador
Coça seu inocente traseiro por detrás de uma árvore.
No Ícaro de Brueghel, por exemplo: como tudo se afasta
Ociosamente do desastre; o lavrador poderá
Ter ouvido o splash, o grito desamparado,
Mas para ele não era um importante fracasso; o sol brilhou
Como soía sobre as pernas brancas que desapareceram na verde
Água; e o frágil e grandioso navio que deve ter avistado
Algo espantoso, um rapaz caindo do céu,
Tinha um destino para ir e afastou-se calmamente.
João Luís Barreto Guimarães
“Musée des Beaux Arts”, de W. H. AudenNão cultives a fraqueza
Vive o fraco na fraqueza
o bom na sua bondade
vive o firme na firmeza
lutando por liberdade.
Não cultives a fraqueza,
procura sempre ser forte,
que o homem que tem firmeza
não se rende nem à morte.
Educa a tua vontade
faz-te firme: em decisões,
que não terá liberdade
quem não fizer revoluções.
Se queres o mundo melhor
vem cá pôr a tua pedra,
quem da luta fica fora
neste jogo nunca medra.
Francisco Miguel Duarte,
Poeta popular nascido no Alentejo,
Operário sapateiro, filho de camponesessábado, 6 de abril de 2024
O cine-olho de vários cineastas
Vertov e Godard, Fellini e Visconti, Glauber e Guzman, Fassbinder e Pasolini, Ozu e Cassavetes, Orson Wells e Eisenstein, G.Reggio e Carmelo Bene, Rouch e Ivens, Wiseman e Farocki
quarta-feira, 3 de abril de 2024
'' as estátuas de pássaros e de reis''
Jorge Luis Borges. História Universal da Infâmia. Tradução José Bento. Quetzal Editores. 1ª Edição, 2015. P. 97
'' Recebia muitas visitas de gente recém-morta''
Jorge Luis Borges. História Universal da Infâmia. Tradução José Bento. Quetzal Editores. 1ª Edição, 2015. P. 86
''Morreu debaixo do chapéu, sem um queixume.''
Jorge Luis Borges. História Universal da Infâmia. Tradução José Bento. Quetzal Editores. 1ª Edição, 2015. P. 81
''Chupava com raiva o cigarro''
Jorge Luis Borges. História Universal da Infâmia. Tradução José Bento. Quetzal Editores. 1ª Edição, 2015. P. 76
Caro Mio Ben // Giuseppe Giordani
Credimi almen
Senza di te
Languisce il cor
Senza di te languisce il cor
Sospira ognor
Cessa, crudel, tanto rigor
Cessa, crudel, tanto rigor, tanto rigor
Credimi almen
Senza di te languisce il cor
Credimi almen
Senza di te
Languisce il cor
terça-feira, 2 de abril de 2024
'' no coração agitado das batalhas''
Jorge Luis Borges. História Universal da Infâmia. Tradução José Bento. Quetzal Editores. 1ª Edição, 2015. P. 69
segunda-feira, 1 de abril de 2024
Fotógrafa Maria José Palla
Fotografar é sempre expor-se, é sempre revelar o interior de si próprio, o seu pensamento, os seus gostos, os seus sentimentos. Esta exposição é essencialmente o resultado de um ritual de passagem, de uma perda, o fim de uma época:
«j'ai parcouru les mondes/et jai perdu mon vol dans leurs chemins lactés/aussi loin que la vie, en ces veines fécondes/ répand des sables dor et des flots argentés»
Gérard de Nerval
''O meu trabalho é subjectivo. Conto o que se passa dentro de mim. Depois de várias séries de auto-retratos, interrogo-me agora sobre a duração do tempo, tempo relativo para cada um, tempo apreendido de maneiras diferentes, constantemente contabilizado e efémero.
Países atravessados, estradas percorridas, perco-me numa vaga possibilidade de conseguir a paragem do tempo, ou a eternidade imóvel, nas palavras de Santo Agostinho.
A arte é uma actividade contra a morte, uma luta contra a passagem do tempo, uma maneira de exorcizar a eternidade.
Esta exposição tem uma relação estreita com o fim de uma casa e de um país. Somos viajantes, emigrantes, exilados. Deslocamo-nos e instalamo-nos pelo mundo fora. Recentemente a minha amiga Olga Pombo percorrendo em voz alta Horácio, na sua quinta, leu-me uma passagem que diz que o “tempo passa tão depressa como as nossas palavras”.''
Que Cisne É Belo
“Que água é calma como as fontes
mortas de Versalhes.” Que cisne,
de olhar cego em soslaio e
pé gondoleiro, é belo como o
de chinfrim porcelana e tisne
no olhar e ouro dentado
na coleira a mostrar quem lhe é o dono.
Cravado à árvore-lucerna
de Luís Quinze com botões de uma
cor de crista de galo,
dálias, ouriços, semprevivas,
ele se empoleira na espuma
de esculpidas, polidas
flores – calmo, alto. O rei é morto.
Tradução de Adriano Scandolara
Não Há Cisne Tão Lindo
“Não há água tão quieta quanto as
fontes mortas de Versailles.” Não há cisne,
de olhar cego bistre oblíquo
e pernas gondoleantes, tão lindo
quanto o de louça com chintz,
de olhos cor de corça e coleira
de ouro denteada a indicar de quem foi.
Alojado no candelabro de
Luís XV, com botões de matiz de
crista-de-galo, com dálias,
ouriços-do-mar e sempre-vivas,
no mar de ramalhetes de
polidas e esculpidas flores
ele pousa – livre e altivo. O rei é morto.
Tradução de José Antonio Arantes
No Swan So Fine
“No water so still as the
dead fountains of Versailles.” No swan,
with swart blind look askance
and gondoliering legs, so fine
as the chinz china one with fawn-
brown eyes and toothed gold
collar on to show whose bird it was.
Lodged in the Louis Fifteenth
candelabrum-tree of cockscomb-
tinted buttons, dahlias,
sea-urchins, and everlastings,
it perches on the branching foam
of polished sculptured
flowers–at ease and tall. The king is dead.
Marianne Moore
O Cardume de Peixes
passa o
jade baço.
Dentre os mexilhões de um azul-gralha,
um ajusta a borralha;
se abre e cerra, um leque que houvesse
sido,
pois, ferido.
A craca encrusta os lados da onda,
embora não a esconda
lá, que o feixe imerso de dardos do
sol,
como o rol
de vidro em fibra, veloz fulgura
por cada rachadura –
entrando e saindo, iluminando
o
mar azul-
-turquesa de corpos. A água crava
férrea cunha na trava
férrea do penhasco; onde os astros,
rosas
grãos de arroz, as
tintas águas-vivas, o siri
qual verde lírio e
cogumelos marinhos deslizam.
As
máculas
de abusos estão presentes nisso,
esse audaz edifício-
toda característica física
de a-
-cidente há-
a ausente cornija, as queimaduras,
machadadas, ranhuras
de bombas se destacam; morreu a
fossa,
que reforça
todas as provas de que ele vive
do ser que não revive
seu viço. Envelhece o mar nisso.
Tradução de Adriano Scandolara
Os Peixes
vade-
ando negro jade.
Das conchas azul-corvo, um marisco
só ajeita os montes de cisco;
no que vai se abrindo e fechando
é que
nem ferido leque.
Os crustáceos que incrustam o flanco
da onda ali não encontram canto,
porque as setas submersas do
sol,
vidro em fibras sol-
vidas, passam por dentro das gretas
com farolete ligeireza –
iluminando de vez em
vez
o oceano turquês
de corpos. A correnteza crava
na quina férrea da fraga
uma cunha de ferro; e estrelas,
grãos
de arroz róseos, mães-
d’água tintas, siris que nem lírios
verdes e fungos submarinos
vão deslizando uns sobre os outros.
As
marcas externas
de mau-trato estão todas presentes
neste edifício resistente –
todo resquício material
de a-
-cidente – ausência
de cornija, machadadas, queima e
sulcos de dinamite – teima em
ressaltar; já não é o que era
cova.
Repetida prova
demonstrou que ele pode viver
do que não pode reviver
seu viço. O mar nele envelhece.
Tradução de José Antonio Arantes
The Fish
wade
through black jade.
Of the crow-blue mussel-shells, one keeps
adjusting the ash-heaps;
opening and shutting itself like
an
injured fan.
The barnacles which encrust the side
of the wave, cannot hide
there for the submerged shafts of the
sun,
split like spun
glass, move themselves with spotlight swiftness
into the crevices—
in and out, illuminating
the
turquoise sea
of bodies. The water drives a wedge
of iron through the iron edge
of the cliff; whereupon the stars,
pink
rice-grains, ink-
bespattered jelly fish, crabs like green
lilies, and submarine
toadstools, slide each on the other.
All
external
marks of abuse are present on this
defiant edifice—
all the physical features of
ac-
cident—lack
of cornice, dynamite grooves, burns, and
hatchet strokes, these things stand
out on it; the chasm-side is
dead.
Repeated
evidence has proved that it can live
on what can not revive
its youth. The sea grows old in it.
Marianne Moore
Um Túmulo
Homem olhando o mar,
roubando a vista de quem tem tanto direito à ela quanto você mesmo,
é da natureza humana ficar no meio de alguma coisa,
mas não se pode ficar no meio disto;
o mar não tem nada para dar senão um bem cavado túmulo.
Os abetos repousam em procissão, cada um com a esmeralda de capins em touceira na copa,
reservados como os seus contornos, sem nada dizer;
a repressão, no entanto, não é a mais óbvia característica do mar;
o mar é um colecionador, rápido em devolver um olhar rapace.
Há outros além de você que vestiram esse mesmo olhar –
cuja expressão não é mais um protesto; os peixes não mais os investigam
pois não restaram seus ossos:
os homens baixam as redes, sem saber do fato de que estão profanando um túmulo,
e vão embora remando depressa – as lâminas dos remos
juntas se deslocam como os pés de aranhas d’água, como se a morte fosse algo que não existisse.
As rugas progridem entre si numa falange – belas sob redes de espuma,
e somem sem ar enquanto o mar farfalha nas algas;
as aves nadam pelo ar em máxima velocidade, assobiando como outrora –
o casco da tartaruga flagela os pés dos penhascos, em movimento sob elas;
e o oceano, sob o pulso dos faróis e o ruído dos sinos das boias,
avança como sempre, parecendo não ser aquele mesmo oceano em que as coisas que caem são fadadas a afundar –
em que, se elas se viram e se torcem, é sem volição e tampouco consciência.
Tradução de Adriano Scandolara
Uma Cova
Homem mirando o mar,
tirando a visão daqueles que têm tanto direito a ela quanto você tem,
é da natureza humana ficar no meio das coisas,
mas no meio desta você não pode ficar.
o mar nada tem a dar a não ser uma cova bem cavada.
Os abetos se erguem em procissão, cada qual com um pé de peru esmeralda no alto,
discretos como seus contornos, dizendo nada;
repressão, no entanto, não é a mais óbvia característica do mar;
o mar é um coletor, pronto para devolver um olhar rapace.
Outros fora você ostentaram este olhar –
cuja expressão não é mais um protesto; os peixes não mais o investigam
porque seus ossos não sobreviveram:
os homens lançam redes, inconscientes de que profanam uma cova,
e partem vogando velozes – as pás dos remos
movendo-se juntas que nem patas de aranhas-aquáticas, como se não existisse a morte.
Os franzidos das águas marcham em falange – belos sob as malhas de espuma,
e somem arfando enquanto o mar vai e vem bramindo entre as plantas marinhas;
os pássaros cruzam o ar num zás, soltando guinchos como dantes –
a concha da tartaruga açoita os pés das rochas, em movimento embaixo delas;
e o oceano, sob a pulsação de faróis e ruídos de bóias sonoras,
avança como sempre, como se não fosse o oceano no qual as coisas que caem estão fadadas a afundar –
no qual, se se viram e reviram, é sem vontade e sem consciência.
Tradução de José Antonio Arantes
A Grave
Man looking into the sea,
taking the view from those who have as much right to it as you have to it yourself,
it is human nature to stand in the middle of a thing,
but you cannot stand in the middle of this;
the sea has nothing to give but a well excavated grave.
The firs stand in a procession, each with an emerald turkey-foot at the top,
reserved as their contours, saying nothing;
repression, however, is not the most obvious characteristic of the sea;
the sea is a collector, quick to return a rapacious look.
There are others besides you who have worn that look –
whose expression is no longer a protest; the fish no longer investigate them
for their bones have not lasted:
men lower nets, unconscious of the fact that they are desecrating a grave,
and row quickly away — the blades of the oars
moving together like the feet of water-spiders as if there were no such thing as death.
The wrinkles progress among themselves in a phalanx – beautiful under networks of foam,
and fade breathlessly while the sea rustles in and out of the seaweed;
the birds swim throught the air at top speed, emitting cat-calls as heretofore –
the tortoise-shell scourges about the feet of the cliffs, in motion beneath them;
and the ocean, under the pulsation of lighthouses and noise of bell-buoys,
advances as usual, looking as if it were not that ocean in which dropped things are bound to sink –
in which if they turn and twist, it is neither with volition nor consciousness.
Marianne Moore