domingo, 5 de janeiro de 2025

 Exausto de si mesmo
e do excesso de sentir

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 212
 - Nós somos a queda
   entre o excesso
                           e o nada


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 206

baixando os olhos...

                                 a custo

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 203
Sabe curar poetas
esvaídos

Escuta as paixões
as dores seculares

Os ódios mortais
e os amores malditos


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 200
 Tinha paixões
que sempre rasurava

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 194

O lince da tua boca

 O lince da tua boca
deitado no meu poema
bebe o corpo dos meus versos
devora-lhe a alma acesa

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 190


Libuše Jarcovjáková


 

Perco-me no fim do mundo

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 184

 Desafio os teus poderes
alcandorados
no medo

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 182
 Te exorcizo lobo
negro
em noites de lua alta

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 182

dá-me tudo o que não arde

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 178

 

senhor de baraço e cutelo
indivíduo que exerce a sua vontade sem restrição

 Depois há as jarras 

com rosas de silêncio


Os gemidos

nas camas


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 174
 « Descer é preciso até ao fundo
na busca das raízes da saliva
que na boca vão misturar tudo»


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 171


Photographer Brandán Gómez

Assistolia

''Assistolia é a ausência ou baixa frequência de atividade elétrica do coração, que pode levar à morte clínica.''

 atropina

adrenalina

epinefrina

amiodarona 

 «(...), quando sofremos a perda de alguém, também sofremos, para o melhor e o pior, a perda de nós mesmos. A perda daquilo que éramos. E que não somos mais. E que um dia não seremos de todo.»

Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 152

 Time is the school in which we learn, / Time is the fire in which we burn.

«O tempo é a escola onde aprendemos, / O tempo é o fogo onde ardemos.»


Delmore Schwartz


                                     Delmore Schwartz, American poet and short story writer. 

Luto e Melancolia

 como « um apego ao objecto através de uma psicose alucinatória do desejo»

Freud

 «Um pequeno pássaro cairá do ramo, gelado e morto, sem nunca ter sentido pena de si mesmo.»

Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 148

 Nunca vi um animal selvagem com pena de si mesmo, escreveu D.H.Lawrence

 17.

A dor da perda acaba por ser um lugar que nenhum de nós conhece até o alcançarmos. Antecipamos (sabemos) que alguém que nos é próximo pode morrer, mas não olhamos além dos poucos dias ou semanas que se seguem imediatamente à morte. Interpretamos erradamente a natureza desses poucos dias ou semanas. Podemos esperar , caso a morte seja súbita, um sentimento de choque. Mas não esperamos que esse choque seja eliminador, que desloque o corpo e a mente. Podemos esperar a prostração, ficar inconsoláveis, enlouquecidos pela perda. Não esperamos ficar literalmente loucos ou ser a «mulher calma» que acredita que o marido está prestes a regressar  dos mortos e que precisa dos seus sapatos.»


Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 145

 « Será que as mães tentam sempre impingir às filhas itinerárias que sonham para si mesmas?»

Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 138

 «Lembro-me de dormir até depois do meio-dia, infeliz, (...)»

Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 138



                    Tóquio, c. 1971 (Foto: Daido Moriyama/Daido Moriyama Photo Foundation)

 Homilia do cardeal Tolentino de Mendonça, na missa de corpo presente de Adília Lopes, na capela do Rato, 2 janeiro

Queridos irmãs e irmãos,
Talvez os nossos ouvidos já se tenham habituado, com estes dois mil anos de leitura, pois ouvimos esta página do Evangelho de São Lucas [capítulo 2] e consideramos que ela é normal, quer do ponto de vista narrativo, quer da escolha e construção das personagens ou do modo de apresentar a história. Talvez nos pareça que tudo está correto. E, contudo, este texto como que opera uma viragem brusca, uma rutura na forma de contar, isto é, na maneira de ver, de experimentar e de organizar o mundo.
O filólogo Erich Auerbach, comparando a tradição literária clássica com a tradição bíblica, sublinha que há uma diferença fundamental entre ambas, no sentido de que os textos bíblicos rompem com os cânones clássicos, escolhendo uma linha que hoje diríamos de secularização e de democratização da narrativa. O cânone clássico desenvolve-se fundamentalmente em torno a determinadas elites sociais. A existência dos homens e das mulheres representada na literatura clássica é aquela socialmente ou politicamente qualificada. Os desqualificados da história, aqueles que não têm vez nem voz no percurso do tempo, raramente aparecem como protagonistas. A tradição hebraica faz o contrário: encontramos como protagonistas, cantores e cantoras da história, personagens absolutamente improváveis. E que esta página do Evangelho adote para a narração o ponto de vista dos pastores – que eram anónimos e tidos como massa impura, gente que não contava para nada – constitui uma reviravolta. Narrar a história desse ponto de vista é uma revolução. Representa a emergência de um quadro de civilização novo. A audácia de ver as coisas ao contrário e antecipar um mundo completamente diferente.
A tradição bíblica fez isso. E os grandes criadores, ao longo da inteira história, fazem isso… Hoje já muitos ouvidos se habituaram ao modo de escrever de Adília Lopes. Mas a estranheza que se mantém é porque ela realiza uma deslocação, um gesto disruptivo: constrói o poema a partir de pontos de vista que, política ou culturalmente, temos como secundários, sem interesse, banais, impuros, absolutamente de descartar… Conta, por exemplo, uma casa a partir da osga que está na parede! Conta a história a partir da mulher a dias! Ou narra história a partir da mulher, do que as mulheres vivem, do que experimentam! Trata-se de uma grande transformação!
Aos poetas, o que é que nós devemos? Claro, a Língua deve-lhes tanto: tantos achados de linguagem, uma música que antes não se ouvia (e que Adília colheu e mostrou), uma dimensão de brincadeira e de emaravilhamento. Porém, dizermos que um poeta interessa à Literatura é uma coisa de fazer chorar as pedras… pois um poeta interessa à cidade. Como Adília afirmou, a minha poesia é política – toda a grande poesia é política. Adília Lopes interessa à cidade, é um manifesto exposto à cidade. Ela ajuda-nos a pensar, a ver. Se a poesia dela é tão desintegrada em relação ao sistema cultural vigente, é porque precisamente ela trabalhou outro modo de ver…
E fez isso à sua maneira, escolhendo como divisa o pouco de São Francisco de Assis – e, como ela explica no prefácio ao livro A Mulher-a-dias, do pouco, quis o pouco… Essa espécie de elogio da frugalidade, da sobriedade com que ela viveu sempre – sempre – é um manifesto, uma maneira de dizer o mundo com outra gramática, indicando paradigmas sociais muito diferentes…
Caminhamos para um futuro onde perceberemos, porventura melhor, a escassez dos modelos de expansão, de crescimento contínuo. O futuro dará mais valor à sobriedade. E considerará como profetas aqueles e aquelas que viveram assim, com essa austeridade, fazendo brilhar o pouco – e tornando-o um motivo de emaravilhamento e de condivisão.
Do convívio com Adília Lopes, há três coisas que guardo no coração – e penso que partilhadas por alguns dos que estão aqui presentes (os amigos, que eram a família que ela elegeu; e os leitores, que são e serão a sua família natural, por gerações):
Primeiro, a sua capacidade de contemplação. Adília Lopes era uma contemplativa – e com uma capacidade de deter-se sobre a realidade com uma inteligência, que era não só uma inteligência agudíssima, mas também uma inteligência de coração. Adília fazia-nos sentir que há um êxtase que nos é devido. Ela viveu de forma extática – e, quando se está no emaravilhamento, tudo é maravilha! Coisas que eram lixo para as outras pessoas, ela dizia: Não, isto é maravilha! Isto é louvor! É louvor! E, nesse sentido, Adília representa a poesia, porque canta! Ela é a mulher que canta!
Depois, um aspeto que a mim me tocava muito era a forma como ela procurava transformar a sua solidão. A solidão nunca foi para Adília uma forma de rutura com os outros. Ela sentia-se sempre em comunhão com os outros. Era essencialmente comunitária.
Ela normalmente comia sozinha, mas dizia que nunca comia sozinha, porque o ato de comer é sempre social – e Adília tinha uma intensa consciência disso. O ato de viver é sempre social; o ato de respirar é sempre social. Ela viveu essa ligação aos outros de uma forma absolutamente precisa, autêntica, consciente, voluntária – a ponto de dizer: eu sou uma obra dos outros e acreditar nisso…
E gostava de ser estimulada pelos outros, de amparar os outros, de receber e fazer circular o dom na forma extraordinária que era a sua. Insistia em transformar a solidão em comunhão, em fraternidade, em comunidade… mesmo quando não era fácil. Via-se como um ser comunitário e defendia sempre a comunidade. A sua preocupação com a democracia era concreta, interessava-se por coisas que para outros são descartáveis detalhes.
E a terceira coisa que recordo é a sua fé – que talvez seja uma dimensão misteriosa, mas muito presente na sua poesia, na mística do quotidiano que ela vivia… Quando ela dizia que era uma poetisa freira barroca, não é só porque era a San Juana de la Cruz portuguesa (ou não é só porque era uma beguina, e a sua casa era um béguinage do século XXI). Era porque assumia aquilo que o seu verso diz: Há milagres, não há só truques!
E ela sabia que não há só truques, há milagres! E essa fé era ajudava-a a subir a estrada… Aquilo que a fazia caminhar não era só o ar, era a certeza de que há milagres!
Dessa certeza hoje todos somos herdeiros. E por muitos anos (por muitos séculos, esperamos!), mulheres e homens como nós talvez se sintam, não apenas órfãos da Adília Lopes… mas também herdeiros da sua obra e do que ela viu. Do que ela viveu.
Quatro poemas
No final da celebração, o dramaturgo Miguel Castro Caldas leu quatro poemas de Adília Lopes, que se reproduzem a seguir. Todos estão incluídos em Dobra – Poesia Reunida (edição Assírio & Alvim).

Adília Lopes, poesia, Dobra
Deus é a nossa mulher-a-dias
Deus é a nossa
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos fora
como a vida
porque achamos
que não presta
Deus é a nossa
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos fora
como a fé
porque achamos
que é pirosa
O tempo é sagrado
O tempo
é sagrado
O tempo
é templo
Textos ensanguentados
Textos
ensanguentados
como feridas
Gralhas
ensanguentadas
Textos
gelados
como árvores
no Inverno
Textos
como árvores
cortadas
aos bocados
Textos
como lenha
Textos
como linho
Textos
brancos
como a noite
Textos
brancos
como a neve
Textos
sagrados
Textos
bifurcados
como ramos
Textos
unos
como troncos
Nota 4
Se tu amas por causa da beleza, então não me ames!
Ama o Sol que tem cabelos doirados!
Se tu amas por causa da juventude, então não me ames!
Ama a Primavera que fica nova todos os anos!
Se tu amas por causa dos tesouros, então não me ames!
Ama a Mulher do Mar: ela tem muitas pérolas claras!
Se tu amas por causa da inteligência, então não me ames!
Ama Isaac Newton: ele escreveu os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural!
Mas se tu amas por causa do amor, então sim, ama-me!
Ama-me sempre: amo-te para sempre!

 “Sou uma mulher extremamente anti-social, prefiro ter a atenção de um homem brilhante, do que a de uma horda de imbecis. ”

Actriz Mexicana, María Félix



''visões dos perigos domésticos''

Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 129

 856.

Poema escrito numa pintura de Hotei.

o saco cheio 
de luas e flores -
é isso que quero

Matsuo Bashô

Memórias de um cão

 Livro de fotografia de Daido Moriyama

 

                                          Daido Moriyama. Kagerou, 1972

Sofomaníaco

 ''O termo sofomaníaco refere-se a uma pessoa que acredita possuir mais conhecimento ou sabedoria do que realmente tem. O conceito remete à filosofia grega clássica, particularmente às críticas de Sócrates aos sofistas, que vendiam a aparência de sabedoria sem um conhecimento genuíno. Na contemporaneidade, o sofomaníaco encontra terreno fértil nas redes sociais, onde opiniões ruidosas frequentemente superam argumentos bem embasados.''


na prática: um indivíduo estúpido que se acha extremamente inteligente

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

''Despertei e senti o sentimento da escuridão, não do dia.''

Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 28

 

últimos paroxismos
agonia antes da morte

 «A dor, quando chega, não é nada como esperávamos que fosse.»

Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 24

 «(...), pensei no que seria permitido a uma mulher que não estivesse calma. Desabar? Pedir calmantes? Gritar?»


Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 18

''Durante muito tempo, não escrevi mais nada.''

Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 9

 A vida muda rapidamente
A vida muda num instante.
Sentas-te para jantar e a vida, como a conheces, termina.
A questão da autocomiseração.

Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 9
 
DESTINO
 
Não bordo por destino
nem me dobro
 
Não cedo à mão da vida
nem me encubro
 
Não cumpro    não aceito
não me calo
 
Não amo o que é imposto
nem me afundo


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 162

o sonho onde o lince lhe devora a ilharga

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 159

Eu sou esta que nego
e a outra onde me afirmo
faço nela e naquela o meu retrato


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 157

Desacerto o meu limite

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 156

desobedeço e desfaço

 Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 156

E«para tão grande amor é curta a vida»

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 151

nem fome demais sentida

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 147

 

Deixa que fale

dos pássaros

a voarem no meu peito

 

Duas lágrimas

Desdobradas

Num mar de sal desfeito


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 147
 
Quem pensou que esta loucura
me passava?


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 143
 
Quem disse
que esta dor te pertencia?


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 142
 Quem disse
que esta ausência de devia?

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 142
 
Tu és a seta
de vício e de veneno

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 141