sábado, 28 de setembro de 2024

 Escrevo a gelo sobre a pedra.
As cadeiras abraçam a mesa e isso é Púchkin
redundando-se, cadeia de ouro sobre o tronco.
A obra pende da parede,
o criador está morto, o curador vivo.
A cebola é uma orbe de lágrima sobre lágrima,
mudando-se o fuso
como um pião sem a corda emocional
que o fez rodopiar e sumindo-se o parou.
O amor é a sonata da chuva
crepitando na vidraça -
o samovar absolutamente central
como um totem de prata
para uma ausência -
Eu vejo os seus pequenos dedos percutindo
a trasparência da lágrima, neutro vidro,
límpida rede sobre a falta,
branca página da noite.
Tudo na saleta ou no salão,
as efígies arremedando
a pura obsidiana da ausência.
E estas palavras que eu cravo na terra
desprendem-se do seu orbe
como moscas viajando para a noite.


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 102

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