Dara Scully
domingo, 25 de dezembro de 2022
Carlos do Carmo - Estrela da Tarde
Que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas
Tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca
Tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste
Na tarde tal rosa tardia
Que a boca pedia
E na tarde ficamos unidos ardendo na luz
Que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto
Tardaste o sol amanhecia
Era tarde demais para haver outra noite
Para haver outro dia
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça
E o meu corpo te guarde
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Eu não tenho a certeza
Que me adormeceram
Dos noturnos silêncios que à noite
De aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois
Corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite
Uma festa de fogo fizeram
Nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites
Que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles
Que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto
Se amarem, vivendo morreram
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça
E o meu corpo te guarde
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Eu não tenho a certeza
É ternura, se é riso, ou se é pranto
É por ti que adormeço e acordo
E acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste
Dum triste e profundo recanto
De mágoa e de espanto
Meu amor, nunca é tarde nem cedo
Para quem se quer tanto
« O reu diz os seus segredos a um poço e eles ficam sem segurança. Quem confia os segredos ou uma história, deve contar com a pessoa que o escuta ou lê, pois uma história tem tantas versões como leitores. Cada um toma dela o que quer ou o que pode, talhando-a assim à sua própria medida. Alguns aceitam uma parte e rejeitam o resto; outros passam-na à peneira dos seus conceitos, outros ainda transformam-na a seu bel-prazer.»
John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 84
Quem faz o Natal para todos nós? São os amigos
Quem nos dá prazer e dá calor? São os amigos
A quem é que damos a ternura? É aos amigos
A quem é que damos o melhor? É aos amigos
Os amigos são o nosso bolo de Natal
Cada amigo nosso vale mais que um Pai Natal
É um irmão nosso que trabalha no Natal
E com suas mãos faz a diferença do Natal
O dinheiro pouco importa
O que importa é a verdade
E a prenda mais valiosa
É a prenda da amizade
Quem faz das tristezas forças
E das forças alegrias
Constrói à força de Amor
Um Natal todos os dias.
"Os Operários do Natal" - textos de Ary dos Santos e Joaquim Pessoa
domingo, 18 de dezembro de 2022
« O tempo apodreceu e desfez estátuas mais antigas, feitas de madeira, os xoana. Apenas podemos ver na Hera de Samos, cujo longo corpo cilíndrico sobe do chão como um tronco de uma árvores, uma obra que conserva na pedra a forma que a madeira impunha aos xoana.
terça-feira, 13 de dezembro de 2022
ROSALÍA - Por Mi Puerta No Lo Pasen
En la verde oliva
En la verde oliva canta, ay qué canta
En la verde oliva
Que canta en la verde oliva
Corre y dile que se calle
Que su cante me lastima, corre
Y dile que se calle
Que su cante me lastima
Tú seras mi prenda adorada
Tu seras el pájaro cuco
Que alegre canta en la madruga
Cuanto te quiero
Cuanto te quiero
Sin ti mi alma
Pa' que la quiero
No la pasen por mi puerta
Y por mi puerta no la pasen no la
Pasen por mi puerta
No lo pasen por mi puerta
Porque mirarte no quiero
A la carita ni viva ni muerta
No lo pasen por mi puerta
Porque mirarte no quiero
Ni a la carita ni viva ni muerta
Que yo me encuentro paga'o
Con que tu me cameles bien
« O homem grego é o homem da tragédia e da catharsis.»
Sophia de Mello Breyner Andresen. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 447
segunda-feira, 12 de dezembro de 2022
Lana Del Rey - Did you know that there's a tunnel under Ocean Boulevard
Mosaic ceilings, painted tiles on the wall
I can't help but feel somewhat like my body marred my soul
Handmade beauty, sealed up by two man-made walls
And I'm like
When's it gonna be my turn?
Open me up, tell me you like it
Fuck me to death, love me until I love myself
There's a tunnel under Ocean Boulevard
There's a tunnel under Ocean Boulevard
Not because she loves the notes or sounds that sound like Florida
It's because she's in a world preserved, only a few have found the door
It's like Camarillo, only silver mirrors running down the corridor
Oh, man
Don't forget me
When's it gonna be my turn?
Open me up, tell me you like me
Fuck me to death, love me until I love myself
There's a tunnel under Ocean Boulevard
Don't forget me
There's a tunnel under Ocean Boulevard
Something about the way he says, "Don't forget me"
Makes me feel like
I just wish I had a friend like him, someone to give me fire
Leaning in my back, whispering in my ear, "Come on, baby, you can thrive"
But I can't
Don't forget me
When it's gonna be my turn?
Open me up, tell me you like it
Fuck me to death, love me until I love myself
There's a tunnel under Ocean Boulevard
Like the tunnel under Ocean Boulevard
Don't forget me
Like the tunnel under Ocean Boulevard
Don't forget me
Like the tunnel under Ocean Boulevard
No, no, no, don't forget me
Don't you, don't you forget me (no, oh)
De Amor nada Mais Resta que um Outubro
De amor nada mais resta que um Outubro
Cântico do País Emerso
Os inocentes que têm pressa de voar
Os revoltados fazem de conta fazem de conta...
Os revoltantes fazem as contas de somar.
Embebo-me na solidão como uma esponja
Por becos que me conduzem a hospitais.
O medo é um tenente que faz a ronda
E a ronda abre sepulcros fecha portais;
Os edifícios são malefícios da conjura
Municipal de um desalento e de uma Porta.
Salvo a ranhura para sair o funeral
Não há inquilinos nos edifícios vistos por fora
Que é dos meninos com cataventos na aérea
Arquitetura de gargalhadas em cornucópia?
Almas bovinas acomodadas à matéria
Pastam na erva entre as ruínas da memória,
Homens por dentro abandalhados em unhas sujas
Que desleixaram seu coração num bengaleiro;
Mulheres corujas seriam gregas não fossem as negras
Nódoas deixadas na sua carne pelo dinheiro;
Jovens alheios à pulcritude do corpo em festa
Passam por mim como alamedas de ciprestes
E a flor de cinza da juventude é uma aresta
Que me golpeia abrindo vácuos de flores silvestres
E essa ansidedade de mim mesma me virgula
Paula de pátria entressonhada. É um crisol.
E, o fruto agreste da linfa ardente que em mim circula
Sabe-me a sol. Sabe-me a pássaro. Pássaro ao sol.
Entre mim e a cidade se ateia a perspectiva
De uma angústia florida em narinas frementes.
Apalpo-me estou viva e o tacto subjectiva-me
a galope num sonho com espuma nos dentes.
E invoco-vos, irmãos, Capitães-Mores do Instinto!
Que me acenais do mar com um lenço cor da aurora
E com a tinta azulada desse aceno me pinto.
O cais é a urgência. O embarque é agora.
Queixa das almas jovens censuradas
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola
Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro
Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós
Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo
Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro
Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco
Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura
Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante
Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino
Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte
domingo, 11 de dezembro de 2022
«Simular a idiotice modifica um estado de espírito e permite tomar uma nova posição mental. Quanto tenho aborrecimentos faço de idiota e a minha mulher não nota as preocupações.»
John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 57
sexta-feira, 9 de dezembro de 2022
''a minha cabeça está cansada''
Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 396
'' o estalido dos ramos secos''
Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 383
quinta-feira, 8 de dezembro de 2022
e se por acaso te toco a memória… amas
ou finges morrer
pressinto o aroma luminoso dos fogos
escuto o rumor da terra molhada
a fala queimada das estrelas
é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves
já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes
**********
escrevo-te
pelo corpo sinto um arrepio uma vertigem
que me enche o coração de ausência pavor e saudade
teu rosto é semelhante à noite
a espantosa noite do teu rosto!
corri para o telefone mas não me lembrava do teu número
queria apenas ouvir tua voz
contar-te o sonho que tive ontem e me aterrorizou
queria dizer-te por que parto
por que amo
ouvir-te perguntar quem fala?
e faltar-me a coragem para responder e desligar
depois caminhei como uma fera enfurecida pela casa
a noite tornou-se patética sem ti
não tinha sentido pensar em ti e não sair a correr para a rua
procurar-te imediatamente
correr a cidade duma ponta a outra
só para te dizer boa noite ou talvez tocar-te
e morrer
como quando me tocaste na testa e eu não pude reconhecer-te
apesar de tudo senti a mão sábia que era a tua mão
mas não podia reconhecer-te
sim
correr a cidade procurar-te mesmo que me afastasses
mesmo que nem me olhasses
mesmo que dissesses coisas que me
mesmo que
e ter a certeza de que serias tu depois a procurar-me.
**********
A escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada
esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos
espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar
outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo A escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada
esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos
espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar
outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo
domingo, 4 de dezembro de 2022
Adeus
Adeus
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
''Parece um lírio de Maio''
Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 380
chorar até que a minha solidão se desfaça
«Ele vai encostar a minha cabeça aos seu ombro para que eu possa chorar, chorar até que a minha solidão se desfaça.»
Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 374
''Perdoai-me a minha vaidade.''
Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 368
'' cansa e magoa os meus olhos de vidro.''
Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 352
sexta-feira, 2 de dezembro de 2022
quinta-feira, 1 de dezembro de 2022
ACONSELHO-VOS O AMOR
“Aconselho-vos o amor:
o equilíbrio dos contrários.
Aconselho-vos o amor
cheio de força; os moinhos
girando ao vento desbridado.
Aconselho-vos a liberdade
do amor (que logo passa
— vão dizer-vos que não —
para os gestos diários).
ACONSELHO-VOS A LUTA."
De "Cuidar dos Vivos" (1963), incluído em "A Musa Irregular" (1991), de Fernando Assis Pacheco
Visita-me Enquanto não Envelheço
visita-me enquanto não envelheço
tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores
ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos
antes que desperte em mim o grito
dalguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro
perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água
com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te
O cortejo dos penitentes
No cortejo dos penitentes
Vão culpados da sensualidade
Castigados até à medula
Vão os tíbios e frouxos no amor
Imaculados como o Criador
Vão culpados por abstinência
Vão culpados das suas carências
No cortejo dos penitentes
Os homens cortam suas próprias carnes
São ofertas que fazem aos céus
Ao mais alto de todos os céus
No cortejo dos penitentes
Os sacerdotes da austera vida
Vão contentes e muito enfeitados
Sobre as cinzas dos sacrificados
E cantam louvores
Ao Deus
A pena dos mortos
P'ra que te louvem
Com sono quieto
Os penitentes
Bebem tragos da bebida amarga
Da urina que depois vomitam
Pela noite mal aventurada
No cortejo
Os penitentes
Comem postas de sangue coalhado
Da sangria dos outros romeiros
Suavemente mutilados
E cantam louvores
Ao Deus
O mundo recompensa com mais frequência as aparências do mérito do que o próprio mérito.
Autor: La Rochefoucauld , François |
''Um sonho apaga o outro''
Leon Tolstói. Infância e Adolescência. Edição Amigos do Livro, Lisboa, p. 78
« O simples som da sua voz diz tantas coisas ao meu coração!»
Leon Tolstói. Infância e Adolescência. Edição Amigos do Livro, Lisboa, p. 75
snobs
« - Quem são? - perguntou o Gladíolo.
- Ela é a mulher mais chique e mais bem vestida desta terra. É uma espécie de tulipa. Ele é um snob.
- O que é um snob? - perguntou o Gladíolo.
-É uma espécie de Gladíolo.
- Que fazem os snobs?
- Têm muitos amigos e são muito convidados, e por isso toda a gente gosta muito deles e os convida muito.»
Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 346
''Dorme como se tivesse morrido.»
Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 343