sábado, 6 de junho de 2015


« HUGO       Um baldio sem ninguém. Um baldio sem ninguém, nem animais nem plantas, num dia de sol às três e meia - às três e meia quando não acontece nada. Um baldio sem ninguém, só com uma árvores morta lá ao longe. Ele pensa nesse lugar, onde um dia sofreu o seu grande amor. Sentou-se numa pedra e fumou um maço inteiro para aprender a gostar. Um a um, com sofreguidão - para apanhar o vício, para ficar com uma coisa dentro dele. Para não se sentir assim oco. Um a um, com força. E quando acabou doía-lhe a cara, a boca, e desatou a chorar e caiu ao chão - agarrava-se às ervas secas e sentia o cheiro a podre, a cinzas, a suor - e era como se tivesse um novelo no peito e na garganta, um novelo que ele desfiava e desfiava sem conseguir chegar ao fim.»


Jacinto Lucas PiresEscrever, falar. Cotovia, Lisboa, 2002., p. 51
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