domingo, 27 de janeiro de 2013

«Ela queria deixá-lo, mas sentia compaixão por ele.»

Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 113

«Que mulheres tão infelizes essas, que não têm um marido capaz de se encolerizar!Eu preferia ser enterrado vivo a ter um marido assim!»



Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 113

«Tem de se ter sido mau, para se sentir vontade de ser bom. E tem de se ter tido uma vida desordenada, para se desejar pôr a sua vida em ordem. Portanto, ser ordenado leva à desordem, ser virtuoso leva ao vício, ser monocórdico leva à eloquência, ser mentiroso leva à sinceridade, os últimos são os primeiros e o mundo e a vida das nossas qualidades têm forma redonda (...)»


Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 112
 
«Que homem, que porte, que denodo! Nunca uma palavra a mais, nem gabarolices, nem discussões com inferiores. Até perante a morte fica insubmisso. Feliz de quem possui tal inimigo.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 24
«Por muito sólido que seja, o corpo do Cretense não pode suportar a sua alma, não pode...Deus fez mal em não nos conceder corpo de aço, a nós Cretenses, para nos ser possível resistir cem, duzentos anos e mais, até à liberdade da nossa ilha.»


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 9

sábado, 26 de janeiro de 2013

«Sobrevivi-te o suficiente
e apenas o suficiente
para pensar de longe.»


Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, introdução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 225
«(...)


Não me causa dor
que os amieiros junto à água
tenham novamente o que silvar.

Estou ciente de que
a margem daquele lago
permanece bonita
como se ainda vivesses.»



Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, introdução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 221

Um parecer na questão da pornografia


Não há maior devassidão que o pensamento.
É uma frivolidade que, semelhante à erva daninha
polinizada pelo vento, invade o canteiro das margaridas.

Nada é sagrado para quem pensa.
O chamar atrevido das coisas pelo nome,
as análises dissolutas, as sínteses perniciosas,
a perseguição feroz foliã do facto nu e cru,
o apalpar lascivo de assuntos controversos,
a desova das ideias - disso é que eles gostam.

À luz do dia  ou pela calada da noite,
encontram-se a dois, em triângulos ou círculos.
Não importa a idade ou o sexo do parceiro.
Os olhos brilham, as faces ardem.
O amigo desencaminha o amigo.
Filhas degeneradas corrompem o pai.
O irmão prostitui a irmã mais jovem.

É-lhes mais doce
o fruto proibido da árvore do conhecimento
do que as nádegas cor-de-rosa das revistas ilustradas,
no fundo, ingénua pornografia.
Os livros que os divertem não têm figuras.
A única variedade está em certas frases
com o lápis ou a unha marcadas.



Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, introdução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 199

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Pois o meu outrora delicado] corpo, já a velhice
me arrebatou, e brancos] se tornaram os cabelos, negros que eram.
Pesado o meu coração se tornou, não me suportam já as pernas,
em tempos ligeiras na dança, como pequenas corças.
Isso lamento a toda a hora; mas que fazer?
alguém que não envelhece é algo que não pode existir.


Safo
Nós somos como as folhas que cria a florida estação
da Primavera, quando crescem depressa sob os raios do sol.
Como elas nos deleitamos num braço de tempo com as flores
da juventude, sem sabermos o que de mau ou de bom
nos virá dos deuses. Mas as negras Desgraças estão
ao nosso lado: uma delas segura o desfecho da áspera velhice;
a outra, o da morte. O fruto da juventude é tão breve
quanto é o tempo de o sol se espalhar sobre a terra.
Porém quando passa este fim de estação,
melhor do que ficar vivo é morrer logo.


Mimnermo

dois pequenos fragmentos de Arquíloco de Paros


Tal foi o desejo de amor, que me cobriu o coração
e cerrada treva sobre meus olhos derramou,
arrebatando do meu peito as débeis forças.



Miserável, jazo atolado no desejo,
inânime, e penosas dores, por vontade dos deuses,
me percorrem os ossos.

Na literatura grega...



«Na literatura grega, a imagem mais comum é a do homem (identificado com o poeta) que persegue a sua presa por campos verdejantes, desejando tão só a consumação do amor. Ela foge, mas sabem ambos que a própria fuga é um esquema para aumentar o desejo e dar mais prazer ao encontro, que no fim se revelará inevitável.»


o que é a vida? O que é o prazer, sem a dourada Afrodite?
Que eu morra, quando estas coisas já não me interessarem.

Mimnermo

domingo, 20 de janeiro de 2013

''Passa uma rapariga de fita verde no cabelo''

Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, instrodução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 175

''não há dois beijos parecidos''

Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, instrodução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 111
«O que é pior? A consciência ou a falta dela?
Pois bem, no Paraíso não havia espelhos.»



Czeslaw Milosz e Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, instrodução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 105
''I don't remember
lighting this cigarette
and I don't remember
if I'm here alone
or waiting for someone."


— Leonard Cohen

sábado, 19 de janeiro de 2013


«Um poeta disse um dia, de uma forma muito bonita, que o coração mais pesado consegue atingir o maior alívio de alma.»


Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 94

«Idiota», cochichou ela..

«Idiota», cochichou ela ao salteador num tom sibilante, e quem assim cochichou sofria da doença do orgulho e estava linda de morrer quando disse aquilo.


Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 91

O orgulho é muitas vezes o nosso único refúgio, mas não devemos recorrer a ele.

«O orgulho é muitas vezes o nosso único refúgio, mas não devemos recorrer a ele. Devemos libertar-nos do nosso orgulho, porque não passa de uma prisão gradeada, devemos falar com os mais humildes e tornarmo-nos livres. »




Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 91

Ai-ai!

 
«Enquanto iam andando, ela, felizmente - valha-nos isso -, falou de Rilke, mas esse conhecimento que ela tinha de Rilke jamais seria suficiente para fazer dela a noiva ideal. Ai-ai! E, no entanto...!


Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 91
«Às pessoas saudáveis faço o seguinte apelo:  não teimem em ler apenas esses livros saudáveis, travem um conhecimento mais estreito, também, com a literatura dita doentia, que vos transmitirá, decerto, uma cultura edificante. As pessoas saudáveis deveriam sempre expor-se um pouco ao perigo. Senão, com que mil raios, para que serve ser saudável? Simplesmente para, num determinado dia, morrer de boa saúde? Que diabo de destino mais desconsolador...!»




Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 81
«Ele assegurou-nos expressamente que te estava muito grato. Antes de te ter conhecido, nunca sentira necessidade de chorar, mas agora sabia como se sente uma pessoa que chora, a dor da alma parecia-lhe um paraíso. Durante muito tempo não percebemos o que ele queria dizer, mas ele devia saber bem o que nos dizia e a expressão do seu rosto mostrava que o que dizia era uma evidência inequívoca. Foste, afinal, um anjo para ele, conquanto não o tenhas sabido, e foste-o precisamente por essa razão. Um dia, negaste-lhe qualquer coisa, ou seja, recusaste-te ocasionalmente a aceder a um pedido dele, e ele então foi-se embora, mas logo regressou. Isto não deve ter tido uma especial importância. És para ele, pois, o amor para lá de todas as palavras, só que tu própria nunca o percebeste. Para todos nós é sempre incómodo que nos atribuam um alto significado, Preferimos ser amados de uma forma moderada. Gostamos todos mais da comodidade. Ninguém gosta que o outro o considere como que sagrado, porque isso o obriga a ser um modelo.»



Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 79
«Quem não vive plena e devidamente a sua sexualidade, fica atrofiado espiritualmente.» Sofre assim uma espécie de imbecilização, foi a expressão dele.



Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 78

«Já estou enamorado de alguém que não conheço», disse o salteador. «Tens de aprender a conhecê-la», ribombou dentro dele, como um trovão, a alma universal.



Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 63/4

«(...) adoro-a tanto, que estou a ponto de me despenhar nos abismos horrendos da loucura.»

Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 62
«Todos nos atormentamos uns aos outros, porque todos nós somos, de certo modo, atormentados pela vida. Quando não nos sentimos bem é quando, na verdade, sentimos mais vontade de nos vingar. As pessoas vingam-se mais por causa de se sentirem mal do que por maldade, e é a sina de todos nós não estamos livres do mal.»


Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 60

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

«Uma conduta bonita faz-nos bonitos, e não apenas por dentro, por fora também.»



Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 44

«E muitos aspectos, os nossos próprios sentimentos são os nosso inimigos, e não aquelas pessoas que competem connosco. Aqueles a quem chamamos adversários são-no, apenas, se temermos o seu merecimento, merecimento que, no entanto, tem também de renovar-se continuamente, tem de sofrer uma contínua evolução, sob pena de enfraquecer e morrer.»




Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 43
«Haveria, porventura, latente na parvinha uma metade masculina, pelo que suportar o marido significava para ela a destruição da sua própria alma?»



Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 40
«Ela calou-se e assumiu um ar tal como o que paira em volta de uma figura de mulher desenhada por
Dürer, um ar esquivo como o de uma ave nocturna sobrevoando os mares por entre a treva, algo como um gemido reprimido no seu íntimo. Ele nunca mais ouviu falar desse casamento. As parvinhas sabem, melhor do que ninguém, mergulhar num silêncio obstinado, são mestras no prazer que sentem em proceder com o maior dos tactos. Comportam-se, perante a obstinação, com o mesmo tacto com que se comportam perante o desprezo, e vão engolindo a sua dor, pedaço a pedaço, ultrapassando as desilusões que lhes são infligidas, sempre com suave elegância.» 
 
 
 
Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 39
«E ela, então, fora casada com um homem como há milhares deles por aí - e, decerto, muitas outras mulheres teriam sido felizes com um homem assim - só que ela não foi feliz, porque era uma parvinha, assim chamada. Lá no fundo, mesmo no fundo, ela tinha orgulho na parvinha que nela habitava. Achava-se superior com esse seu pequeno toque de parvoíce.»
 
 
Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 38

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

«O cinto da castidade com horríveis dentes eriçados.»


Czeslaw Milosz e Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, instrodução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 79

Deitava-me nu junto ao mar
Nas ilhas desertas.

Arrastava-me para o pélago
A baleia branca do mundo.

E agora não sei
O que foi verdade.



Czeslaw Milosz e Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, instrodução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 67

A tua voz

Maldiz a morte. É-nos injustamente dada.
Implora aos deuses por uma morte santa.
Quem és tu? Um pouco de ambição, de desejo e de sonhos
que não merece o castigo da agonia prolongada.
Só não sei o que podes fazer sozinho com a morte dos outros:
das crianças envoltas em chamas, das mulheres baleadas,
dos soldados feitos cegos
e que agonizam dias e dias, aqui e agora, ao teu lado.
Sem abrigo é a tua piedade, muda é a tua voz
e temes a sentença porque nada pudeste fazer.



Czeslaw Milosz e Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, instrodução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 53

«às vezes, numa raiva de apetite,
lanço os meus fios de caça, e apanho
algum bicho menor, algum mosquito,»




António Franco Alexandre. Aracne. Assírio & Alvim, Lisboa, 2004, p. 13
«E quem me diz que, belo então que fosse,
conservaria ainda o privilégio
de me sentar no teu joelho, e ver
os exactos mistérios do teu sexo?»



António Franco Alexandre. Aracne. Assírio & Alvim, Lisboa, 2004, p. 11

 
«O que certamente não veríeis eram as lágrimas, que humediam a carta, e outras que desciam as faces, e paravam aos cantos dos lábios, como se aí esperassem que um sorriso de esperança outra vez as embebesse no coração.»



Camilo Castelo Branco. Estrelas Propícias. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 184/5

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

«Se tu soubesses», disse Deus,
«como pode ser longa a eternidade

(---)



Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 84

«Não tenho língua própria:
eu comunico
sem estar certo que me compreendam.»



Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 81
«Pergunto-me quem sou»,
disse Deus, «o espírito, a carne ou o que na carne
se quer espírito;
a noite, o dia ou o que no dia
experimenta pela noite mais ternura.
Talvez que seja eu um compromisso
entre o ser e o não ser,
à custa de mim mesmo:
o vazio e o de mais do vazio,
nada mais que o meu nome,
uma sílaba de sangue
que não se deveria enunciar,
ou um verbo que mata.
Sou a tua vogal, ó música;
ó silêncio, a tua consoante.»


Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 77

Deus disse: «Eu sou teu alimento mais saudável,
o trigo, o vinho e a palurda,
o anho, o mel e a amora selvagem.
Para me comeres, lava as mãos e a alma,
veste as melhores roupas
e toma-me depois entre os teus lábios.
Deverás mastigar-me muito tempo,
pois meus sabores são tantos!
Trarei assim a força aos teus pulmões,
aos teus joelhos,
e aos subúrbios do teu cérebro.
Mal te tenha alimentado o coração,
tornar-me-ei teu sangue.
Eu sou a tua química mais pura.»




Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 75
«Para crer, é preciso sangrar», disse Deus,
«e que a plenitude provoque o conflito,
e que a eternidade seja intragável.
Para aceder a mim, deve a alma arrastar-se,
como um boi, até esse matadouro
que é a esperança.
Para ser-se digno
de um absoluto que jamais conhecerás,
é preciso nascer e morrer,
três vezes por dia, até à volúpia.»


Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 66
«Vai ao deserto», disse Deus,
«e prosterna-te, a fronte sobre a pedra:
três noites depois tornar-te-ás teu duplo.
Vai a um monte,
saúda a neve e as suas lavas,
para mereceres ser monte.
Vai a ti mesmo,
perguntando-te se a tua aorta,
e os teus pulmões, são habitáveis:
tornar-te-ás teu próprio sangue.
Vai além do desconhecido
e dize, lento, a palavra deus:
ou morrerás aí,
ou serei eu a cair morto.»
 
 
 
 
Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 61

«Reconhecer-me-ás: sou simples e vulgar.»

Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 57
O homem queixa-se:
«Tu deste-me um corpo
mais pequeno que o corpo da montanha.
Deste-me um cérebro
com que não posso compreender-me.
Deste-me um coração
que não serve para me aceitar.
Deste-me palavras
que são um luxo na minha desordem.
deste-me um deus
o qual não sei quem é, se eu, se tu.»


Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 56

«Deus decidiu que o homem, tendo razão,
deveria morrer.»



Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 52
Deus disse:
«A minha angústia é profunda:
criei este universo, e não sei porquê.
O sol canta, cercado pelas poldras.
O sol saúda-me
com suas ilhas ténues,
e o poeta escreve uma ode
para me explicar quem devo ser.
A minha angústia é profunda e as estrelas
estão longe de mais para consolar-me.»



Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 37

«Se eu envelheci», disse Deus, «substituam-me:
não se deve guardar um soberano
que se afunda em incerteza.
Apresentar-vos-ei a deuses competentes,
com três, quatro lições dadas por mim
de tacto e divindade.
Irei só para o hospício,
levando algumas almas,
algumas músicas.
Não me lamentem:
tomei, junto de vós, gosto por ser.»



Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 36

Inferno

 
« - O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir; se houver um, é o que está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos. Há dois modos para não o sofrermos. O primeiro torna-se fácil para muita gente: aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos. O segundo é arriscado e exige uma atenção e uma aprendizagem contínuas: tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, que e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar.»



Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 166

«,(...) sorriem, um com o outro com a boca suja de amoras.»



Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 148