segunda-feira, 26 de setembro de 2011


«De um modo geral, descobri que numa desgraça, é uma grande prova de força uma pessoa ter que suportar continuamente a solidão. A solidão é mais forte que tudo e conduz-nos outra vez às pessoas. »



Franz Kafka. Os Aeroplanos Em Brescia E Outros Textos. Trad. Ana Maria Freire Damião. Edições «Livros do Brasil», Lisboa, 1988., p. 40
«Ele olha lentamente para nós, desvia o olhar e olha para outro sítio, mas mantém-se sempre atento.»



Franz Kafka. Os Aeroplanos Em Brescia E Outros Textos. Trad. Ana Maria Freire Damião. Edições «Livros do Brasil», Lisboa, 1988., p. 25
  «Enquanto ainda estamos a entrar no buraco negro da estação de Brescia, onde as pessoas gritam como se o chão queimasse, exortamo-nos uns aos outros seriamente a permanecer unidos, aconteça o que acontecer. Não começámos nós a viagem, com uma espécie de hostilidade?»


Franz Kafka. Os Aeroplanos Em Brescia E Outros Textos. Trad. Ana Maria Freire Damião. Edições «Livros do Brasil», Lisboa, 1988., p. 14/15

domingo, 25 de setembro de 2011

«E aquele sussurro contínuo do sonho ficara-lhe nos ouvidos...Ah, a febre! Tinha febre e tremia de frio.»




Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 69

Zemaitija - 1984

«Eis senão quando, um dia, não teve forças para sair do casebre abandonado em que instalara o seu abrigo.»



Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 68

intempérie

«Ah, olha, olha a terra dava trigo!, era seu! E olhou à volta como que a defendê-lo: era seu!»

«Chegaram as primeiras águas, e o Giudé, ouvindo do seu abrigo nocturno marulhar a chuva, pensou que também naquele momento chovia sobre aquele seu pedaço de terra...Depois, com uma alegria que lhe punha lágrimas nos olhos, viu o grão germinar e surgir da terra húmida, tímidas, as primeiras espigas.Ah, olha, olha a terra dava trigo!, era seu! E olhou à volta como que a defendê-lo: era seu!»



Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 68

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

«Tu que, brutal, regressas,
não rejuvenescida, mas mesmo renascida,
fúria da natureza, dulcíssima,
matas-me, homem já morto
por uma série de dias miseráveis,
debruças-te para os meus abismos reabertos,
dás um perfume virgem ao meu eclipse,
antiga sensualidade, estilhaçada, piedade
apavorada, desejo de morte...
Perdi as forças:
já não sei o que é ser racional;
a minha vida decadente atola-se
na tua religiosa decadência,
desesperada por ver apenas
crueldade neste mundo, e raiva na minha alma.»





Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 255
«Tudo o que em ti vive - e por ti em mim treme -
continua a ser gemido sufocado
de quem não se conhece, de quem não se diz.
Mas será possível amar
sem saber o que isso significa?»




Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 251

«Não sei o que será
esta não-razão, esta pouca-razão:  »



Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 249

Zitkala-Sa

Abulia

nome feminino
 
PATOLOGIA alteração anormal da vontade caracterizada pela incapacidade de tomar decisões e de agir;

abulia generalizada - abulia que incide sobre todas as acções e todos os pensamentos;
abulia localizada - abulia que incide sobre um movimento de um membro;
abulia sistematizada - abulia que incide sobre um acto particular ou um sistema de actos
 
 
(Do grego aboulía, «irresolução; falta de vontade»)

cindir

cortar; separar; dividir

«Tu sabias que pecar não é fazer o mal:
não fazer o bem, isso sim, é que é pecar.»



Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 239

terça-feira, 20 de setembro de 2011

«A casa está cheia dos seus frágeis
membros de menina, e do seu cansaço:
mesmo à noite, quando tudo dorme, lágrimas

amargas tudo cobrem; e, ao voltar para casa,
uma piedade antiga e tremenda aperta-me
tanto o coração que me apetece gritar, ou matar-me.»


Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 229
«o fascínio da morte - nada há,
neste mundo humano, que eu possa amar.
Tudo me faz sofrer: esta gente

servil que obedece a cada chamada
que aos seus senhores apraz fazer,
adoptando, sem suspeita, os mais infames

hábitos das vítimas predestinadas;
o cinzento das roupas pelas ruas cinzentas;
os gestos cinzentos em que parece gravada

a cumplicidade com o mal que a invade;
a sua agitação em redor de um bem-estar
ilusório, como um rebanho em redor de uma seara:

a sua regularidade de maré que alterna
multidões e desertos pelas ruas,
em fluxos e refluxos obcecados»



Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 221-223

medir tudo pela mesma bitola

KISS, 1963

E nós?

«E nós? Ah, eu sei que em cada erro há um fermento
de verdade: o olhar mais turvo e mais escravo
pode tornar-se livre e límpido, para acolher


a vida em redor, maravilhosa porque existe
não só para os instintos, mas também
para o pensamento, que assiste - vencido,»



Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 199

«                           ...São os filhos
da fome, os filhos da revolta,»



Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 199
«                 Porque havia esta
cansada recaída, esta escuridão.»



Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 169


«                                  E eu,
na plateia de hoje, tenho uma serpente
a contorcer-se nas entranhas: e mil lágrimas
despontam em cada ponto do meu corpo,
dos olhos às pontas dos dedos,
da raiz dos cabelos até ao peito:
um choro desmedido, porque jorra
antes de ser compreendido, como se antecipasse
a dor.»



Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 167

«As paredes do julgamento»

friúra

«À minha volta,
nas origens, só havia a Língua das Fraudes
instituídas, das ilusões devidas,
que as primeiras angústias
de um menino, as paixões pré-humanas,
já impuras, não exprimia.»


Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 161
«há uma astúcia demasiado ancestral naquelas veias...»



Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 153

revelar(-se)

« E sinto náusea, horror, ódio por este homem que não sou eu, que nunca fui eu; por esta forma morta, de que sou prisioneiro e de que não posso libertar-me. Forma carregada de deveres que não sinto meus, oprimida por cuidados que não me importam nada, alvo de uma consideração com que nada tenho a ver; forma que é estes deveres, estes cuidados, esta consideração, fora de mim, acima de mim; coisas vazias, coisas mortas que pesam em cima de mim, me sufocam, me esmagam, e não me deixam respirar.»



Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 56

Só podemos portanto ver e conhecer o que de nós está morto.

«Só se conhece quem consegue ver a forma que deu a si próprio, ou que os outros lhe deram, ou a sorte, ou as circunstâncias, ou as condições em que nasceu. Mas quando a podemos ver é sinal de que a nossa vida não está já dentro dessa forma; porque, se estivesse, não a veríamos; vivê-la-íamos sem a ver e morreríamos todos os dias dentro dela, que é já por si uma morte, sem a conhecer. Só podemos portanto ver e conhecer o que de nós está morto. Conhecer-se é morrer.»



Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 55
«Quem vive, se vive, não se vê; vive...Se alguém vê a sua própria vida é sinal de que já não a vive; suporta-a, arrasta-a. Arrasta-a como uma coisa morta. Porque toda a forma é uma morte.»



Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 55

      «Os olhos fecharam-se-me a pouco e pouco, sem eu dar por isso, e continuei talvez no sono o sonho daquela vida que não nascera. Digo talvez, porque, quando despertei, todo dorido e com a boca amarga, ácida e árida, já próximo da chegada, achei-me de repente numa disposição completamente diferente, com uma sensação atrozmente nauseante da vida, numa tétrica e plúmbea estupefacção, na qual os aspectos das coisas habituais me apareceram como que vazios de todo o sentido, e no entanto de uma gravidade cruel, insuportável.»




Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 53

Sabbath Eve in a Coal Celler, Ludlow Street

«(...) a recordação indistinta, não de actos, não de aspectos, mas quase de desejos dissipados antes de nascidos; juntamente com uma dor de não ser, angustiosa, vã, e no entanto cruel, aquela que sentem talvez as flores que não puderam desabrochar;»





Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 53
«Uma das minhas obrigações mais pesadas é não advertir o cansaço que me oprime, o peso enorme de todos os deveres que me são e me foram impostos, não ceder minimamente à necessidade de um pouco de distracção que a minha mente afadigada de tempos a tempos reclama. A única que posso conceder-me, quando me sinto excessivamente vencido pelo cansaço causado por um trabalho a que me entrego há muito tempo, é entregar-me a um novo trabalho.»




Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 52

ensimesmado

absorto nos próprios pensamentos
«Há qualquer coisa que une quem conhece a angústia
a quem não a conhece: o homem tem desejos humildes.»



Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., pgs 143

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

«quem nunca nasceu não morre nunca.»



Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., pgs 139
«Sinais impuros de que por aqui passaram
velhos bêbados de Ponte, antigas
prostitutas, bandos de malandrins
despudorados: rastos humanos,
impuros que, humanamente infectos,
vêm falar-nos, violentos e pacíficos,
desses homens, dos seus baixos prazeres
inocentes, dos seus míseros desígnios.»



Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., pgs 135-137

''rebordo de pedra esboroada''

Ser em cada culpa a inocência de tudo

domingo, 11 de setembro de 2011

In cella d’isolamento. 1972

Terra Di Lavoro

Já está próxima a Terra Di Lavoro,
algumas manadas de búfalas, alguns
amontoados de casas entre tomateiros,

heras e míseras estacas.
De vez em quando, um riacho, rasando
o solo, surge entre os ramos

dos ulmeiros carregados de vides, negro
como um esgoto. Dentro deste comboio
que segue a sua marcha, meio vazio, o gelo

outonal cobre a madeira triste,
as roupas molhadas: se lá fora
é o paraíso, aqui é o reino

dos mortos, passados de dor
em dor - sem suspeitarem de nada.
Aqui estão eles, nos bancos, nos corredores,

de queixo enterrado no peito,
costas apoiadas ao espaldar,
abocanhando um pedaço de pão

com unto, mastigando mal,
míseros e escuros como cães
devorando um naco roubado: e

se os olhares nos olhos, se lhes olhares
para as mãos, sobe-lhes à face um piedoso rubor,
em que inimiga se lhes descobre a alma.

Mas mesmo quem não come ou as suas histórias
não conta ao vizinho atento,
se o olhares, olha-te com o coração

nos olhos, aterrado, como se dissesse
que nada fez de mal,
que é inocente.

Uma mulher, de Fondi ou de Aversa, embala
uma criança adormecida num saco
de pele de cordeiro, e entretém-na

- se ela acorda do seu sono
dizendo palavras novas como o mundo -
com palavras tão cansadas como o mundo.

Se olhares para ela, não se mexe,
como animal que finge que está morto;
encolhe-se nas suas pobres

roupas e, olhando para o vazio, escuta
a voz que a cada instante lhe recorda
a pobreza como se fosse culpa sua.

Depois, recomeçando a embalar, cega, surda,
sem sequer reparar, suspira.
Junto da janela, está um jovem

de um rosto escuro como turfa,
envolto num mudo cheiro a redil,
hostil, como se não ousasse abrir

a porta, incomodar o vizinho.
Olha fixamente para a montanha, para o céu,
de mãos nos bolsos, bóina de malandro

sobre os olhos: não vê o forasteiro,
não vê nada, de gola levantada
pelo frio, ou por suspeito mistério

de delinquente, de cão abandonado.
A humidade reaviva os velhos
cheiros da madeira, untada e fumada,

misturando-os aos novos, de bordéis
cheios de fresca forragem humana.
E dos campos, agora roxos,

vem uma luz que revela almas,
não corpos, ao olhar que mais cru
do que a luz lhes descobre a fome,

a servidão, a solidão.
Almas que enchem o mundo,
como imagens fiéis e nuas,

da sua história, embora enraizadas
numa história que já não nos pertence.
Com uma vida de outros séculos, estão

vivos neste: e mostram-se no mundo
a quem do mundo tem conhecimento, rebanho
de quem nada mais conhece que miséria.

O ódio servil e a servil alegria foram
desde sempre a sua única lei:
mas nos seus olhos já podia ler-se

um sinal de diferente fome - escura
como a do pão e, como ela,
necessária. Uma sombra pura

que já começava a ter nome
de esperança: e o Sul,
como que reconquistado para o homem,

via a luz tímida do resgate
sobre os seus rebanhos resignados
de vivos. Mas para estas almas marcadas

pelo crepúsculo, para este arraial
de passageiros tímidos,
qualquer luz interior, qualquer acto

de consciência, parecem de repente coisa de ontem.
Hoje, para esta mulher que embala
o filho, para estes camponeses

negros que nada sabem, o inimigo
é quem morre para que se salve
noutras mães, noutros filhos,

a sua liberdade. É o seu inimigo
quem morre para que arda em outros servosm
outros camponeses, a sua sede,

ainda que bastarda, de justiça.
É seu inimigo quem rasga a bandeira
já vermelha de assassínios

e é seu unimigo quem, fiel,
a defende dos brancos assassinos.
É seu inimigo o patrão que espera

a sua rendição, e o camarada que deseja
que lutem numa fé que é já negação
da fé. É seu inimigo quem dá

graças a Deus pela reacção
do velho povo, e é seu inimigo
quem perdoa o sangue em nome

do novo povo. Assim, num dia de sangue,
se devolve o mundo
a um tempo que parecia já passado:

a luz que desaba sobre estas almas
é ainda a luz do velho sul,
a alma desta terra é a lama antiga.

Se medes no teu íntimo a desilusão no mundo,
sentes que ela não conduz
a uma nova aridez, mas a uma velha paixão.

E perdes-te nesta luz que, de repente,
roça, com a chuva, por torrões
de salva vermelha, casas imundas.

Perdes-te no velho paraíso
que aqui fora, nos relevos de lava,
dá rosto celeste, embora humano,

ao horizonte em que Nápoles
se esfuma na baba cinzenta,
aos temporais do sul que o sereno invadem,

um sobre os montes do Lácio, já remotos,
outro sobre esta terra entregue
às hortas sujas, aos pântanos,

às aldeias do tamanho de cidades.
A chuva e o sol misturam-se
numa alegria que talvez esteja guardada

-como lasca da outra história,
que já não nos pertence - no fundo do coração
destes pobres viajantes:

vivos, apenas vivos, no calor
que torna a vida maior que a história.
Tu pedes-me no paraíso interior

e mesmo a tua piedade é sua inimiga.




Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., pgs 119 - 129

tugúrio

habitação rústica e pobre
«A hora é confusa, e nós como perdidos
a vivemos...», murmuravas-me, amargo,
desiludido com tudo o que tens tido



Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p 103
«Mas porquê obrigar-me a odiar, eu
que, quase grato ao mundo pela minha dor,

por ser diferente - e por isso odiado -
só sei amar, fiel e amargurado?»




Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p 95/7
O ESCRAVO

Esforçamo-nos por apodrecer de pé. E isso nem sempre é fácil, acreditai. A vida muitas vezes tenta levar a melhor...Mas nós resistimos. E vamos diminuindo um pouco mais em cada...

ROGER

Dia?



Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976., p. 258
ROGER, para o Escravo

E a ti, quem é que te canta?

O ESCRAVO

Ninguém. Limito-me a morrer.

ROGER

Mas sem mim, sem o meu suor, sem as minhas lágrimas, sem o meu sangue, o que serias tu?

O ESCRAVO

Nada.




Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976., p. 257/8

sábado, 10 de setembro de 2011


«Entro e volto a fechar-me, mudo e morto como
um enforcado só com o seu corpo e o seu nome.»



Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p 93

«era sangue a correr do peito ferido
de um animal ignaro, tirado do covil, perseguido...»



Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p 91

«De repente, reparei: a luz da manhã foi a luz do entardecer.»


Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p 89
«promete ao mundo -
reparas que estás a sonhar.»


Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p 79
O ENVIADO

  Tudo o que de belo existe no mundo deve-se às máscaras.



Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976., p. 194
ROGER, com violência

Não te fui roubar para te transformares num licórnio ou numa águia de duas cabeças.


CHANTAL

Não gostas de licórnios?

ROGER

Nunca soube fazer amor com eles. (Acaricia-a.) Nem contigo, aliás.

CHANTAL

Queres tu dizer que não sei amar. Que te desaponto. Mas eu gosto de ti, Roger. E tu alugaste-me a troco de cem vivandeiras.

ROGER

Perdoa-me, Chantal. Fui obrigado a isso. Também eu te amo. Amo-te e não to sei dizer, e não sei cantar. E o último recurso é ainda cantar.



Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976., p. 163/4
O CHEFE DA POLÍCIA

E hoje, lamentas esses momentos?



IRMA, com ternura

Daria o meu reino pelo regresso de um deles! E tu bem sabes qual é. Preciso duma palavra de verdade, uma que seja, como quando à noite a gente observa as rugas que tem na cara, ou limpa a boca...


O CHEFE DA POLÍCIA

É tarde demais. (Pausa.) E além disso, não podíamos continuar toda a vida abraçados um ao outro. Enfim, não sabes em que é que eu pensava, secretamente, quando estava nos teus braços.


IRMA

Sei é que te amava...





Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976., p. 148

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

«Pode a vida ser boa,
quando se acorda para a fome? Que sentido tem Ser?»


John Updike. Ponto Último e outros poemas. Tradução de Ana Luísa Amaral. Civilização Editora, Porto, 2009., p. 77

Alchimie musicale, 1932


«Esta gente teve uma guerra,
e a paz aqui compartilha do tédio do mar.»


John Updike. Ponto Último e outros poemas. Tradução de Ana Luísa Amaral. Civilização Editora, Porto, 2009., p. 75

«as árvores são de dia nossas mães,
mas de noite lamentam-nos a inquietação.»


John Updike. Ponto Último e outros poemas. Tradução de Ana Luísa Amaral. Civilização Editora, Porto, 2009., p. 65

« o inferno húmido»


«desatar o pequeno nó bravio de um coração»


John Updike. Ponto Último e outros poemas. Tradução de Ana Luísa Amaral. Civilização Editora, Porto, 2009., p. 60

''uma brasa embebida de cinzas''

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

«Daqui a pouco, quando as trombetas soarem, desceremos os dois - eu montado em ti - para a glória e para a morte, sim, porque eu vou morrer. Trata-se, na verdade, duma autêntica descida ao túmulo.»



Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976., p. 73
A RAPARIGA

O pé esquerdo continua inchado!

O GENERAL

Claro. É o pé da partida. É o pé que bate e que aperreia. Como esse teu cascozinho, quando fazes as vénias.

A RAPARIGA

Quando faço o quê? Vamos, desabotoe-se.

O GENERAL

És um cavalo ou uma ignorante? Se és um cavalo, então sabes fazer as vénias. Ajuda-me. Puxa devagar. Vá, devagarinho, não és nenhum cavalo de lavoura.

A RAPARIGA

Faço o que devo fazer.

O GENERAL

Já estás a revoltar-te? Espera que eu esteja pronto. Quanto te meter o freio nos dentes...

A RAPARIGA

Oh, não! Isso não.

O GENERAL

Era o que faltava! Um general a ser chamado à ordem pelo seu próprio cavalo! Sim senhor. Terás o freio, as rédeas, os arreios, a cilha e só então, de botas, chibatada e chapéu, te saltarei em cima!

A RAPARIGA

É horrível, o freio. Fico com as gengivas a sangrar e os lábios todos gretados. E depois, babo sangue.


O GENERAL

Ah! a espuma cor de rosa e o crepitar do fogo! Que cavalgadas! Entre campos de centeio, no meio da luzerna, atravessando prados, caminhos poeirentos, por montes e vales, deitados ou de pé, da aurora ao sol- pôr, do sol-pôr...





Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976., p. 66-68

Back of Alicia, Camp Holz, Phoenicia, 1998

O JUIZ

Seria uma coisa horrível. Mas não, você não ousaria um tal volte-face! Não posso acreditar! Ouve bem o que eu te digo: continua a dissimular, a fingir, o mais que puderes e os meus nervos suportarem. Continua a negar, a negar sempre, para me obrigares a sofrer, a bater com os pés no chão, a escumar de raiva, a suar, a ganir de impaciência, a rastejar...Queres que rasteje?

O CARRASCO, para o Juiz

Rasteje!


O JUIZ

Como me sinto orgulhoso!


O CARRASCO, ameaçador

Rasteje!


      O Juiz, que estava de joelhos, deita-se de barriga
      para baixo e rasteja lentamente em direcção à Ladra.
      À medida que vai avançando a Ladra recua.

Isso. Continue.


O JUIZ, para a Ladra

Que me obrigues a rastejar depois de eu ser juiz, está bem, minha marota! Mas se te recusasses definitivamente ao teu papel, isso seria um crime, minha cabra!...

A LADRA, altiva

Chame-me minha senhora e seja mais educado!

O JUIZ

E terei o que pretendo?

A Ladra, galante

Roubar, não é fácil, sabe!...

O JUIZ

Mas eu pago! Pago o que for preciso, minha senhora. Se deixasse de poder separar o Bem do Mal, para que serviria eu, diga-me, para que serviria?

A LADRA

Isso pergunto eu a mim própria.




Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976., p. 52-54

O JUIZ

Como tu és belo! E quando vês uma nova vítima ainda ficas melhor. (Abre a boca do Carrasco.) Mostra-me essas presas! Terríveis. Brancas.


Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976., p. 47

Por isso me sinto morto.

A LADRA

Roubei pão, porque tinha fome.

O JUIZ, erguendo-se e largando o livro

Sublime! Função sublime! Tudo isso vai ser julgado por mim. Oh, minha querida filha, só tu me consegues reconciliar com o mundo. Juiz! Vou ser juiz de todos os teus actos! De mim vai depender a medida, o equilíbrio. O mundo é uma maçã para eu cortar ao meio: os bons, os maus. E tu, meu Deus, tu aceitas ser a parte má! (Para o público.) Debaixo dos vossos olhos: nada nas mãos, nada nos bolsos, explicar o podre e deitá-lo fora. Mas que ocupação dolorosa! Se todos os julgamentos fossem feitos a sério, custar-me-iam a vida! Por isso me sinto morto. Habito esta região da liberdade exacta. Rei dos Infernos, todos os que eu julgo, estão como eu: mortos. Esta está como eu: morta.
Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976., p. 46
O CARRASCO

(...) Posso fumar?



O JUIZ, num tom natural

Fuma, fuma. O cheiro do tabaco dá-me inspiração.
 
 
 
 
Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976., p. 42

terça-feira, 6 de setembro de 2011

«Porquê, ao ver aquela desbotada cor de sangue,

a minha consciência tão cegamente resiste
e se esconde, como obcecada
por um remorso que, no fundo, a entristece?»




Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p 65
«Uma alma, em mim, não apenas minha,
uma alma pequena naquele imenso mundo,
crescia, revigorada pela alegria

de quem amava, não sendo embora amado.»




Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p 57
«Longos passeios numa névoa quente,»



Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p 55
«Irás pedir-me, tu, morto austero,
para renunciar a esta desesperada
paixão de estar no mundo?»




Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p 41
IRMA, cuidadosa



«Há sangue por toda a parte...

(...)
                                                                         Ouve-se, no mesmo instante,
                                                                   um grande grito de dor, lançado
                                                                   por uma mulher que não se vê.»

 
Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976., p.20/1

Esashi, 1977

Quando a sorte está decidida...

Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976., p.19

As actrizes

«As actrizes não devem substituir as palavras do texto por outras mais suaves. Podem muito bem recusar-se a representar a minha peça - serão substituídas por homens. Se não querem dizer o meu texto, ao menos digam as palavras ao contrário.»



Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976.,


«Penso nos que amei e nos que vi morrer »

John Updike. Ponto Último e outros poemas. Tradução de Ana Luísa Amaral. Civilização Editora, Porto, 2009., p. 32

''as canções com que aprendemos a fumar''



«Um escritor, mesmo parecendo ter um coração de pedra,
precisa de cuidados.»



John Updike. Ponto Último e outros poemas. Tradução de Ana Luísa Amaral. Civilização Editora, Porto, 2009., p. 21

*

A minha mulher ausente um dia ou dois.
Acordo mais gasto e só, a tempestade que me
envelheceu: destilada numa pele de neve do passado,
um cobertor tão fino que por ele se vêem folhas de erva.
Ali, atrás dos teixos, a neve faz sombras brancas,
dissolve-se no beijo oblíquo do sol e espalha-se
ao longo do relvado, como se dissesse:
Dá-me uma hora mais, e eu partirei depois.


John Updike. Ponto Último e outros poemas. Tradução de Ana Luísa Amaral. Civilização Editora, Porto, 2009., p. 13

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A Arthur Rimbaud

Mortal, anjo e demónio, ou seja, Rimbaud,
Mereces o primeiro lugar no meu livro,
Apesar do boçal escriba que te chamou
Ébrio liceal, devasso imberbe, monstro a abrir.

Fumo em espirais de incenso, acordes de alaúde
Alegram-se ao entrares no templo da memória
E o teu nome radioso cantará na glória,
Porque tu amaste como foi preciso, em tudo.

Mulheres verão em ti um jovem muito forte,
Belo, de uma beleza rústica e perversa,
Desejável, com a tua indolência atrevida!

E a história esculpiu-te ao triunfares da morte
Fruindo até aos puros excessos da vida,
Com os teus brancos pés na cabeça da Inveja!

(DEDICÁCIAS)




Paul Verlaine. Poemas Saturianos e Outros. Tradução, prefácio, cronologia e notas de Fernando Pinto Amaral. Assírio&Alvim ., p. 175
Il pleut doucement sur la ville.


Arthur Rimbaud
«Trabalho de árduas noites, de onde então se eleva
A Obra, devagar, como um sol matinal!»



Paul Verlaine. Poemas Saturianos e Outros. Tradução, prefácio, cronologia e notas de Fernando Pinto Amaral. Assírio&Alvim ., p. 147

«Raiando o céu cinzento com asas de lume, »



Paul Verlaine. Poemas Saturianos e Outros. Tradução, prefácio, cronologia e notas de Fernando Pinto Amaral. Assírio&Alvim ., p. 143

V


«O escândalo de me contradizer, de estar
contigo e contra ti; contigo no coração,
à luz do dia, contra ti na noite das entranhas;»




Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p 31

Marco

Quando Marco passava, os jovens todos
Corriam pra ver seus olhos, Sodomas
Onde os fogos de Amor sem dó queimavam
Tua pobre choça, ó fria Amizade;
E em redor dançavam odores místicos
Em que a alma, chorando, se anulava;
No ruivo cabelo um encanto roçava;
Estranhas músicas vinham do vestido
     Quando ela passava.

Quando Marco cantava, as suas mãos
Lembravam, no marfim, a escuridão
De antigas árias, nunca repetidas,
E a sua voz subia aos paraísos
Sonhados numa sinfonia imensa
E então o entusiasmo transportava
Rumo a céus conhecidos quem escutasse
Esse timbre de prata a vibrar sempre
     Quando ela cantava.


Quando Marco chorava, as suas lágrimas
Venciam o brilho das mais belas armas;
Escurecia a cor dos lábios de sangue
E o desespero já não era humano;
Como lareira que o óleo excita,
Crescia a fúria, rubra, e era quase
A de uma leoa no bosque selvagem
Transmitindo uma cólera terrível,
     Quando ela chorava.

Quando ela dançava, a saia irisada
Tal como as marés, ia e regressava
E, quais bambus flexíveis, os seus flancos
Torciam-se e mostravam os seios brancos:
Um raio partia. A perna de mármore,
Clinicamente enfática, elevava
Os mares esplendores, o que imitava
O rumor de vento, à noite, nas árvores,
      Quando ela dançava.

Quando Marco dormia, ah! que odores de âmbar
E carne sufocavam toda a câmara!
Sob os lençóis ondeava a excelsa linha
Das costas, e na sombra das cortinas
Subia o hálito, ritmado e leve;
Um sono feliz e calmo cobria
Os olhos, e esse enigma concedia
Encanto à credência e aos seus objectos,
        Quando ela dormia.

Mas quando amava, caudais de lascívia
Transbordavam, tal como de uma ferida
Sai, vermelho, o sangue, a fumegar, vivo,
Do cruel corpo, absolvido plo crime;
Torrente a romper os diques da alma,
Afogava as ideias, transtornava
Tudo à sua passagem e pulava,
Devorador e suave, como chama.
         E por fim gelava.




Paul Verlaine. Poemas Saturianos e Outros. Tradução, prefácio, cronologia e notas de Fernando Pinto Amaral. Assírio&Alvim ., p. 121-125

domingo, 4 de setembro de 2011

Mortalha

Dies Israe

Il est un jour, une heure, où dans le chemin rude,
Courbé sous le fardeau des ans multipliés,
L'Esprit humain s'arrête, et, pris de lassitude,
Se retourne pensif vers les jours oubliés.

La vie a fatigué son attente inféconde ;
Désabusé du Dieu qui ne doit point venir,
Il sent renaître en lui la jeunesse du monde ;
Il écoute ta voix, ô sacré Souvenir !

Les astres qu'il aima, d'un rayon pacifique
Argentent dans la nuit les bois mystérieux,
Et la sainte montagne et la vallée antique
Où sous les noirs palmiers dormaient ses premiers Dieux.

Il voit la Terre libre et les verdeurs sauvages
Flotter comme un encens sur les fleuves sacrés,
Et les bleus Océans, chantant sur leurs rivages,
Vers l'inconnu divin rouler immesurés.

De la hauteur des monts, berceaux des races pures,
Au murmure des flots, au bruit des dômes verts,
Il écoute grandir, vierge encor de souillures,
La jeune Humanité sur le jeune Univers.

Bienheureux ! Il croyait la Terre impérissable,
Il entendait parler au prochain firmament,
Il n'avait point taché sa robe irréprochable ;
Dans la beauté du monde il vivait fortement.

L'éclair qui fait aimer et qui nous illumine
Le brûlait sans faiblir un siècle comme un jour ;
Et la foi confiante et la candeur divine
Veillaient au sanctuaire où rayonnait l'amour.

Pourquoi s'est-il lassé des voluptés connues ?
Pourquoi les vains labeurs et l'avenir tenté ?
Les vents ont épaissi là-haut les noires nues ;
Dans une heure d'orage ils ont tout emporté.

Oh ! la tente au désert et sur les monts sublimes,
Les grandes visions sous les cèdres pensifs,
Et la Liberté vierge et ses cris magnanimes,
Et le débordement des transports primitifs !

L'angoisse du désir vainement nous convie :
Au livre originel qui lira désormais ?
L'homme a perdu le sens des paroles de vie :
L'esprit se tait, la lettre est morte pour jamais.

Nul n'écartera plus vers les couchants mystiques
La pourpre suspendue au devant de l'autel,
Et n'entendra passer dans les vents prophétiques
Les premiers entretiens de la Terre et du Ciel.

Les lumières d'en haut s'en vont diminuées,
L'impénétrable Nuit tombe déjà des cieux,
L'astre du vieil Ormuzd est mort sous les nuées ;
L'Orient s'est couché dans la cendre des Dieux.

L'Esprit ne descend plus sur la race choisie ;
Il ne consacre plus les Justes et les Forts.
Dans le sein desséché de l'immobile Asie
Les soleils inféconds brûlent les germes morts.

Les Ascètes, assis dans les roseaux du fleuve,
Écoutent murmurer le flot tardif et pur.
Pleurez, Contemplateurs ! votre sagesse est veuve :
Viçnou ne siège plus sur le Lotus d'azur.

L'harmonieuse Hellas, vierge aux tresses dorées,
À qui l'amour d'un monde a dressé des autels,
Gît, muette à jamais, au bord des mers sacrées,
Sur les membres divins de ses blancs Immortels.

Plus de charbon ardent sur la lèvre-prophète !
Adônaï, les vents ont emporté ta voix ;
Et le Nazaréen, pâle et baissant la tête,
Pousse un cri de détresse une dernière fois.

Figure aux cheveux roux, d'ombre et de paix voilée,
Errante au bord des lacs sous ton nimbe de feu,
Salut ! l'Humanité, dans ta tombe scellée,
Ô jeune Essénien, garde son dernier Dieu !

Et l'Occident barbare est saisi de vertige.
Les âmes sans vertu dorment d'un lourd sommeil,
Comme des arbrisseaux, viciés dans leur tige,
Qui n'ont verdi qu'un jour et n'ont vu qu'un soleil.

Et les sages, couchés sous les secrets portiques,
Regardent, possédant le calme souhaité,
Les époques d'orage et les temps pacifiques
Rouler d'un cours égal l'homme à l'Éternité.

Mais nous, nous, consumés d'une impossible envie,
En proie au mal de croire et d'aimer sans retour,
Répondez, jours nouveaux ! nous rendrez-vous la vie ?
Dites, ô jours anciens ! nous rendrez-vous l'amour ?

Où sont nos lyres d'or, d'hyacinthe fleuries,
Et l'hymne aux Dieux heureux et les vierges en choeur,
Eleusis et Délos, les jeunes Théories,
Et les poèmes saints qui jaillissent du coeur ?

Où sont les Dieux promis, les formes idéales,
Les grands cultes de pourpre et de gloire vêtus,
Et dans les cieux ouvrant ses ailes triomphales
La blanche ascension des sereines Vertus ?

Les Muses, à pas lents, Mendiantes divines,
S'en vont par les cités en proie au rire amer.
Ah ! c'est assez saigner sous le bandeau d'épines,
Et pousser un sanglot sans fin comme la Mer !

Oui ! le Mal éternel est dans sa plénitude !
L'air du siècle est mauvais aux esprits ulcérés.
Salut, Oubli du monde et de la multitude !
Reprends-nous, ô Nature, entre tes bras sacrés !

Dans ta khlamyde d'or, Aube mystérieuse,
Éveille un chant d'amour au fond des bois épais !
Déroule encor, Soleil, ta robe glorieuse !
Montagne, ouvre ton sein plein d'arome et de paix !

Soupirs majestueux des ondes apaisées,
Murmurez plus profonds en nos coeurs soucieux !
Répandez, ô forêts, vos urnes de rosées !
Ruisselle en nous, silence étincelant des cieux !

Consolez-nous enfin des espérances vaines :
La route infructueuse a blessé nos pieds nus.
Du sommet des grands caps, loin des rumeurs humaines,
Ô vents ! emportez-nous vers les Dieux inconnus !

Mais si rien ne répond dans l'immense étendue,
Que le stérile écho de l'éternel Désir,
Adieu, déserts, où l'âme ouvre une aile éperdue !
Adieu, songe sublime, impossible à saisir !

Et toi, divine Mort, où tout rentre et s'efface,
Accueille tes enfants dans ton sein étoilé ;
Affranchis-nous du temps, du nombre et de l'espace,
Et rends-nous le repos que la vie a troublé !

IV Voto

Ah! primeiras amantes! oaristos!, dourados
Cabelos, o azul dos olhos, carne em flor
De corpos juvenis, e entre o seu odor
As carícias a medo e com espontaneidade!

Ficaram já distantes essas alegrias
E todas as canduras! Rumo à Primavera
Dos remorsos fugiram os negros Invernos
Das minhas dores, dos meus cansaços e agonias!

E eis-me aqui, agora, só e abatido,
Desesperado e mais frio que os avós mais antigos,
Tão pobre como um órfão sem irmã crescida.

Ó mulher de amor meigo e tão reconfortante,
Suave e pensativa, que nunca se espanta
E nos beija na testa, como uma criança!



Paul Verlaine. Poemas Saturianos e Outros. Tradução, prefácio, cronologia e notas de Fernando Pinto Amaral. Assírio&Alvim ., p. 57

beijei-lhe a mão branca

PETRA
Eu não a amei. Apenas a quis possuir. Isso passou. Só agora começo a amá-la. Aprendi, mãe, e doeu-me muito. Contudo aprender devia ser belo, não devia fazer sofrer.

VALÉRIA
Tens de ser boa para a Gabi. As crianças são tão sensíveis.

PETRA
Eu sei.

VALÉRIA
Chorou muito antes de adormecer. Tens de a ajudar a conhecer-te.



Rainer Werner Fassbinder. As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant. Trad. Y.K.Centeno. Edições Cotovia, Lisboa, 1ª ed, 1990., p. 81
PETRA
Não sejas tão mesquinha.

KARIN
Eu não sou mesquinha, digo a verdade, Petra. Tínhamos prometido dizer sempre a verdade uma à outra. Mas tu não aguentas. Queres que te mintam.

PETRA
Sim, mente-me. Por favor, mente-me.



Rainer Werner Fassbinder. As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant. Trad. Y.K.Centeno. Edições Cotovia, Lisboa, 1ª ed, 1990., p. 51

You are the one (feat. Devendra Banhart) from Adanowsky on Vimeo.

KARIN
Eu também gosto de ti, Petra, gosto muito, mas tens de me dar tempo. Por favor.

PETRA
Dou-te tempo, Karin. Tempo é o que não nos falta. Temos imenso tempo. Tempo para nos conhecer uma à outra. Havemos de amar-nos, Marlène, traz mais uma garrafa de champanhe. (Marlène sai.) Ainda nunca, nunca, senti amor por uma mulher. Sou louca, Karin, louca! Mas é belo ser louco. É loucamente belo ser louco.



Rainer Werner Fassbinder. As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant. Trad. Y.K.Centeno. Edições Cotovia, Lisboa, 1ª ed, 1990., p. 42
KARIN
Os meus pais morreram.

PETRA
Lamento muito. Logo os dois.


KARIN
O pai primeiro matou a mãe e depois enforcou-se.


PETRA
Não! Que horror!

KARIN
Está a ver, agora já olha para mim com outros olhos. Acontece o mesmo a toda a gente. Primeiro gostam de mim, depois quando sabem da minha história, pronto, acaba-se.



Rainer Werner Fassbinder. As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant. Trad. Y.K.Centeno. Edições Cotovia, Lisboa, 1ª ed, 1990., p. 38

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Silhouette, c. 1915

PETRA

Desculpa, não te quis ofender. Quero só que oiças realmente o que te estou a dizer e que não aprecies com um juízo já feito o que acabei de contar.



Rainer Werner Fassbinder. As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant. Trad. Y.K.Centeno. Edições Cotovia, Lisboa, 1ª ed, 1990., p. 19
SIDÓNIA

Já vejo que essa coisa toda fez de ti uma mulher dura. É pena, as mulheres duras sempre me desagradaram.

PETRA

Pareço dura porque uso a cabeça. (...)


Rainer Werner Fassbinder. As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant. Trad. Y.K.Centeno. Edições Cotovia, Lisboa, 1ª ed, 1990

terça-feira, 30 de agosto de 2011

A idade tudo traz

Não posso suportar o que vos dá prazer;


Molière. O Misantropo. Vasco Graça Moura e Bertrand Editora, Lisboa, 2007., p. 103

domingo, 28 de agosto de 2011

« É a mim que procuras, ou qualquer outra coisa? (Pausa.) Queres afagar o meu rosto...uma vez mais? (Pausa.) É um beijo que procuras, Willie...ou será outra coisa? (Pausa.) Houve um tempo em que eu ainda poderia dar-te uma ajuda. (Pausa.) E um outro tempo, antes desse em que eu te ajudava mesmo. (Pausa.) Tu precisaste sempre muito de ajuda, Willie. (Willie escorrega e vem cair na base de elevação do terreno, de rosto voltado para o solo.) Brumm! (Pausa. Willie volta à posição de gatas e levanta os olhos para ela.) Tenta outra vez, Willie, vamos: dessa maneira! (Pausa. Veemente.) Não olhes para mim dessa maneira! (Pausa. Baixo.) Perdeste a razão, Willie? (Pausa. Idem.) Os teus pobres restos de razão?»



Samuel Beckett. Dias Felizes. Trad. Jaime Salazar Sampaio. 1ª. Edição. Editorial Estampa, Lisboa, 1973., p. 82/3

Os clássicos


«Como se perdem os clássicos! (Pausa.) Oh, nem todos. (Pausa.) Uma parte. (Pausa.) Outra parte fica. (Pausa.) É isso que eu acho maravilhoso: que uma parte dos clássicos fique para nos ajudar a chegar ao fim de cada dia. (Pausa.)»



Samuel Beckett. Dias Felizes. Trad. Jaime Salazar Sampaio. 1ª. Edição. Editorial Estampa, Lisboa, 1973., p. 78
«A tristeza depois do amor essa, é claro, conhecemo-la nós.»



Samuel Beckett. Dias Felizes. Trad. Jaime Salazar Sampaio. 1ª. Edição. Editorial Estampa, Lisboa, 1973., p. 78
«Eu julgava antigamente...(Pausa.)...digo: eu julgava antigamente que ainda havia de aprender a falar sozinha. (Pausa.) Quero dizer: comigo própria, no deserto. (Sorriso.)»


Samuel Beckett. Dias Felizes. Trad. Jaime Salazar Sampaio. 1ª. Edição. Editorial Estampa, Lisboa, 1973., p. 72
ALCESTE


Senhora, desejais que fale abertamente?
Com vosso proceder ando descontente:
Enche meu coração de muito mau humor
E sinto que a ruptura a nós se vai impor;
Enganava-vos, sim, fosse outro o meu dizer,
Decerto cedo ou tarde havemos de romper,
E o contrário, por mais que andasse a prometê-lo,
Me veria eu depois sem meios de fazê-lo.


Molière. O Misantropo. Vasco Graça Moura e Bertrand Editora, Lisboa, 2007., p. 73

sábado, 27 de agosto de 2011


POETA MILITANTE

«POETA MILITANTE é a viagem do século vinte em mim. Ou melhor: o testemunho poético - a princípio involuntário - da aventura da sombra de um anti-herói que perdido nos meandros dos caminhos exíguos do tempo, atravessou em bicos de pés os segundos, os minutos, as horas, as semanas, os anos de quase todo um século, mais preocupado com as coisas vulgares do quotidiano nos cafés, nas ruas, nas praias, no campo, do que com os acontecimentos merecedores no futuro de longos tratados de volumosos que me inspiraram muitas vezes apenas poema e meio.
De quando em quando, grito. Grito muito. Berro. Apaixono-me. Calo-me. (Que outro protesto poderia fazer senão com o silêncio, quando rebentou a primeira infame bomba atómica?) Amo. Odeio, torço pescoços de fantasmas. E sobretudo denuncio. E espanto-me. Do que afinal sempre espantou os poetas dos séculos de sempre. De haver injustiças e estrelas.
Enfim, quando os homens pisaram a lua, dormi profundamente toda a noite como um anjo sem insónias.»



José Gomes Ferreira. Poeta Militante 1.º Volume. Obra Poética Completa. Círculo de Poesia. Moraes Editores, 3.ª edição, Lisboa, 1977

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

«(...) sentir-te simplesmente aí, ao alcance da minha voz, quem sabe se pronto a intervir, é tudo o que eu peço, nem dizer nada que possa contrariar-te ou causar desgosto, nem estar aqui a falar à toa, por assim dizer, às cegas, enquanto esta coisa me consome. (Pausa. Retomando alento.) A dúvida. (Pousa o índex e o dedo maior na região do coração. Procura o sítio, encontra-o). Aqui. (Move ligeiramente os dedos.) Mais ou menos. (Tira a mão.



Samuel Beckett. Dias Felizes. Trad. Jaime Salazar Sampaio. 1ª. Edição. Editorial Estampa, Lisboa, 1973., p. 50
«As palavras abandonam-nos, há alturas em que as palavras nos abandonam. Até elas...(Voltando-se um tanto para Willie.) Não é verdade, Willie? (Pausa. Voltando-se mais. Mais forte.) E o que havemos nós de fazer, então...até que elas voltem?»



Samuel Beckett. Dias Felizes. Trad. Jaime Salazar Sampaio. 1ª. Edição. Editorial Estampa, Lisboa, 1973., p. 47
«Quantas vezes eu não disse: Winnie põe o chapéu, é o que tens a fazer, tira o chapéu, Winnie, porta-te como uma pessoa crescida, vais ver que te faz bem...e não era capaz. (Pausa.) Não podia.



Samuel Beckett. Dias Felizes. Trad. Jaime Salazar Sampaio. 1ª. Edição. Editorial Estampa, Lisboa, 1973., p. 47

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

ALCESTE

                     Tenho o defeito
De mais sincero ser do que faria jeito.

ORONTE

Mas é isso o que peço; e fora descontente,
Se, expondo-me a vós, assim abertamente,
Vós me fosseis trair e algo dissimular.

ALCESTE

Pois assim o quereis, Senhor, vou aceitar.





Molière. O Misantropo. Vasco Graça Moura e Bertrand Editora, Lisboa, 2007., p. 51
ALCESTE


Tocado o coração, quer tudo do seu lado;
E eu só venho aqui a fim de lhe dizer
Tudo o que esta paixão em mim está a fazer.


(....)


Cada dia a razão, bem sei, mo vem propor;
Mas a razão não é o que governa o amor.






Molière. O Misantropo. Vasco Graça Moura e Bertrand Editora, Lisboa, 2007., p. 43

flor da videira

ALCESTE


Não. Da jovem viúva a quem eu sinto amar,
Aos defeitos que tem, olhos não vou fechar.
E sou, por muito que ela em mim acenda o fogo,
O primeiro que os vê e que os condena logo.
Mas tenho um fraco, sim, faça eu o que fizer,
Tem artes de agradar-me, admito, essa mulher:
Por mais que seus senões eu veja e lhos aponte,
Ela se faz amar, maugrado os que eu lhe conte;
Mais forte é a sua graça e a minha chama mais
Lhe há-de purgar a alma dos vícios actuais.




Molière. O Misantropo. Vasco Graça Moura e Bertrand Editora, Lisboa, 2007., p. 41

terça-feira, 23 de agosto de 2011


Nninguém me pode ver, como vós, cheio de ira.


Molière. O Misantropo. Vasco Graça Moura e Bertrand Editora, Lisboa, 2007., p. 31

Gente amável que diz tiradas só inúteis



Molière. O Misantropo. Vasco Graça Moura e Bertrand Editora, Lisboa, 2007., p. 21

O Misantropo

  «Louis Jouvet resumiu assim O Misantropo: «É a comédia de um homem que quer ter uma conversa decisiva com a mulher que ama e que, até ao fim do dia, não consegue fazê-lo».
    O homem é Alceste, o misantropo, ou, como o esquecido subtítulo da peça indica, o «atrabiliário amoroso». Opõe-se à sociedade do seu tempo pela sua exigência de rigor, franqueza e sinceridade totais nos comportamentos, rejeitando qualquer espécie de convenção hipócrita nas relações entre as pessoas. Essa exigência ética fá-lo sossobrar num pessimismo irremediável e numa crescente recusa de contactos com o género humano, a ponto de pôr em questão as suas próprias amizades. A peça que, logo desde a primeira cena, nos apresenta o protagonista, começa, exactamente, por uma acalorada discussão entre Alceste e o seu amigo Filinto, acomodatício e sensato, sobre este tópico.»

 

Vasco Graça Moura

Molière. O Misantropo. Vasco Graça Moura e Bertrand Editora, Lisboa, 2007.,  p. 7

«a desesperança de tudo»

a mágoa do sem-sentido

«deixar cair de vez em quando uma ou outra máscara acidental e tropeçar para apanhá-la»


Carlos de Oliveira. Aprendiz de Feiticeiro. Lisboa, 1971., pp.216-217
Pensar é magoar
«Tinha sido melhor deixar-te dormir. (Volta-se de frente; puxa distraidamente pela relva. Baixando e levantando a cabeça, anima a fala seguinte.) Pois é...assim eu pudesse suportar a solidão, quero dizer, ficar para aqui a pairar sem ser ouvida por ninguém. (Pausa.) Não é que eu tenha ilusões, Deus me livre. Tu não ouves lá grande coisa, Willie. (Pausa.) Há mesmo dias em que não ouves nada. (Pausa.) Mas também há outros em que me respondes (Pausa.) De maneira que eu posso sempre dizer de mim para mim, mesmo quando não respondes e talvez nem oiças: Winnie, posso eu dizer, há alturas em que alguém te escuta, tu não estás a falar só para ti própria, quero dizer, no deserto, coisas que eu nunca pude suportar - por muito tempo (Pausa.)»



Samuel Beckett. Dias Felizes. Trad. Jaime Salazar Sampaio. 1ª. Edição. Editorial Estampa, Lisboa, 1973., p. 44/5

domingo, 21 de agosto de 2011

«Dias Felizes é um maravilhoso poema de amor, o canto de uma mulher que ainda quer ouvir e ver o homem que ama (...). Quando li a peça pela primeira vez, fiquei perturbada e entusiasmada (...). O que eu estava a ler era tudo o que não ousava pensar desde que (...) me tinha aparecido a primeira ruga de velhice», declarava Madeleine Renaud nas Novelles Littéraires de 24 de Fevereiro de 1966.




Samuel Beckett. Dias Felizes. Trad. Jaime Salazar Sampaio. 1ª. Edição. Editorial Estampa, Lisboa, 1973., p. 22
«Nunca estive aqui», diz Hamm, e perante esta confissão nada mais conta, porque é impossível ouvi-la senão sob a sua forma mais geral: «Nunca ninguém esteve aqui.» Diz Robbe-Grillet referindo-se a À Espera de Godot e a Fim da Festa.»
 
Prefácio
 
 
Samuel Beckett. Dias Felizes. Trad. Jaime Salazar Sampaio. 1ª. Edição. Editorial Estampa, Lisboa, 1973., p. 20
«Winnie seria uma «complexa alma humana» de que Dias Felizes, com diálogos feitos à imagem da linguagem daquela que seria a pessoa «retratada», usando o que seria a expressão das suas dúvidas, dos seus íntimos desejos, das suas desilusões, do que se lembra e do que não se lembra, da sua tristeza ou da sua alegria, faria o «retrato»?


 
Samuel Beckett. Dias Felizes. Trad. Jaime Salazar Sampaio. 1ª. Edição. Editorial Estampa, Lisboa, 1973., p. 10

HER EYES ARE WILD

Written at Alfoxden. The subject was reported to me by a lady of Bristol, who had seen the poor creature.



I

HER eyes are wild, her head is bare,
The sun has burnt her coal-black hair;
Her eyebrows have a rusty stain,
And she came far from over the main.
She has a baby on her arm,
Or else she were alone:
And underneath the hay-stack warm,
And on the greenwood stone,
She talked and sung the woods among,
And it was in the English tongue.

II

"Sweet babe! they say that I am mad,
But nay, my heart is far too glad;
And I am happy when I sing
Full many a sad and doleful thing:
Then, lovely baby, do not fear!
I pray thee have no fear of me;
But safe as in a cradle, here,
My lovely baby! thou shalt be:
To thee I know too much I owe;
I cannot work thee any woe.

III

"A fire was once within my brain;
And in my head a dull, dull pain;
And fiendish faces, one, two, three,
Hung at my breast, and pulled at me;
But then there came a sight of joy;
It came at once to do me good;
I waked, and saw my little boy,
My little boy of flesh and blood;
Oh joy for me that sight to see!
For he was here, and only he.

IV

"Suck, little babe, oh suck again!
It cools my blood; it cools my brain;
Thy lips I feel them, baby! they
Draw from my heart the pain away.
Oh! press me with thy little hand;
It loosens something at my chest;
About that tight and deadly band
I feel thy little fingers prest.
The breeze I see is in the tree:
It comes to cool my babe and me.

V

"Oh! love me, love me, little boy!
Thou art thy mother's only joy;
And do not dread the waves below,
When o'er the sea-rock's edge we go;
The high crag cannot work me harm,
Nor leaping torrents when they howl;
The babe I carry on my arm,
He saves for me my precious soul;
Then happy lie; for blest am I;
Without me my sweet babe would die.

VI

"Then do not fear, my boy! for thee
Bold as a lion will I be;
And I will always be thy guide,
Through hollow snows and rivers wide.
I'll build an Indian bower; I know
The leaves that make the softest bed:
And, if from me thou wilt not go,
But still be true till I am dead,
My pretty thing! then thou shalt sing
As merry as the birds in spring.

VII

"Thy father cares not for my breast,
'Tis thine, sweet baby, there to rest;
'Tis all thine own!--and, if its hue
Be changed, that was so fair to view,
'Tis fair enough for thee, my dove!
My beauty, little child, is flown,
But thou wilt live with me in love,
And what if my poor cheek be brown?
'Tis well for me, thou canst not see
How pale and wan it else would be.

VIII

"Dread not their taunts, my little Life;
I am thy father's wedded wife;
And underneath the spreading tree
We two will live in honesty.
If his sweet boy he could forsake,
With me he never would have stayed:
From him no harm my babe can take;
But he, poor man! is wretched made;
And every day we two will pray
For him that's gone and far away.

IX

"I'll teach my boy the sweetest things:
I'll teach him how the owlet sings.
My little babe! thy lips are still,
And thou hast almost sucked thy fill.
--Where art thou gone, my own dear child?
What wicked looks are those I see?
Alas! alas! that look so wild,
It never, never came from me:
If thou art mad, my pretty lad,
Then I must be for ever sad.

X

"Oh! smile on me, my little lamb!
For I thy own dear mother am:
My love for thee has well been tried:
I've sought thy father far and wide.
I know the poisons of the shade;
I know the earth-nuts fit for food:
Then, pretty dear, be not afraid:
We'll find thy father in the wood.
Now laugh and be gay, to the woods away!
And there, my babe, we'll live for aye."
1798.


William Wordsworth

Kalvarija, 1975

THE REVERIE OF POOR SUSAN

This arose out of my observation of the affecting music of these birds hanging in this way in the London streets during the freshness and stillness of the Spring morning.

AT the corner of Wood Street, when daylight appears,
Hangs a Thrush that sings loud, it has sung for three years:
Poor Susan has passed by the spot, and has heard
In the silence of morning the song of the Bird.

Tis a note of enchantment; what ails her? She sees
A mountain ascending, a vision of trees;
Bright volumes of vapour through Lothbury glide,
And a river flows on through the vale of Cheapside.

Green pastures she views in the midst of the dale,
Down which she so often has tripped with her pail;
And a single small cottage, a nest like a dove's,
The one only dwelling on earth that she loves.

She looks, and her heart is in heaven: but they fade,
The mist and the river, the hill and the shade:
The stream will not flow, and the hill will not rise,
And the colours have all passed away from her eyes!
1797.


William Wordsworth
« Decerto que posso esperar por vós - decerto não preciso de ir com um estranho para o que para mim - é o (país) redil desconhecido - Esperei muito tempo - Mestre - mas ainda posso esperar mais - esperar até que o meu cabelo de avelã seja cinzento - e vós useis bengala - então poderei olhar para o meu relógio - e se o Dia estiver muito no fim - poderemos tentar a sorte (do) para o Paraíso - O que me faríeis se eu viesse de ''branco''? Tendes o pequeno cofre para pôr os Vivos - dentro?»




Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 165
(...)

«Embora te veja a deslizar - a deslizar
Para o teu incomunicável Túmulo -
Que pergunta agarrarei -
Que resposta arrancarei de ti
Antes que te dissipes
No mar do esquecimento?»


Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 141

1632

Assim devolvam-me à Morte -
A Morte que nunca receei
A não ser que me prive de ti -
E agora, privada pela Vida,
No meu próprio Túmulo respiro
E calculo o seu tamanho -
Um tamanho que é tudo o que o Inferno imagina -
E tudo o que o Paraíso foi -



Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 139

«Diz toda a Verdade mas di-la tendenciosamente - »


Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 109

amadurece o Frio


«A Ternura diminui à medida que a experimentamos - »


Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 95
«Embora possa acontecer que Eu - Lhe sobreviva
Ele terá de viver - mais do que eu -
Pois tenho apenas o poder de matar,
Sem ter - o poder de morrer -»



Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 89

650


A Dor - tem um Elemento de Vazio -
Não se consegue lembrar
De quando começou - ou se houve
Um tempo em que não existiu -

Não tem Futuro - para lá de si própria -
O seu Infinito contém
O seu Passado - iluminado para aperceber
Novas Épocas - de Dor.



Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 79

Poderá o fogo revelar-se

561

Meço cada Pena que encontro
Com um Olhar agudo, perscrutante -
Pergunto se é tão pesada como a que Eu tenho -
Ou se é mais Cómoda de transportar.

Pergunto se a suportam há muito tempo -
Ou se acabam de a ter -
A minha não sei dizer a sua Data -
Tão antiga me parece ser -

Pergunto se lhes dói viver assim -
E se para isso se esforçam -
E se - no caso em que pudessem escolher -
Não lhes seria preferível - morrer -

Vejo que Alguns - que demasiado sofreram -
Enfim recuperam o sorriso -
Imitando o Candeeiro
Que gasta o último Petróleo -

Pergunto-me, com o amontoar dos Anos -
Alguns Milhares - sobre o Mal -
Que tão cedo os atingiu - não poderia
Esse lapso de tempo servir-lhes de Bálsamo -

Ou se continuariam a sofrer mesmo assim
Durante Séculos de Coragem -
Iniciados numa Dor mais ampla -
Em contraste com o Amor -

Os Aflitos - são muitos - dizem-me -
Diversas são as Causas -
A Morte - apenas uma - e só chega uma vez -
E limita-se a fechar os olhos -

Há a Aflição da Carência - a Aflição do Frio -
Aquilo a que chamam ''Desespero'' -
Há um Exílio loge dos Olhos nativos -
À vista do Ar Natal -

E embora não lhe possa adivinhar a natureza -
Com exactidão - é para mim
Uma pungente Consolação
À passagem do Calvário -

Notar os figurinos - da Cruz -
E a maneira como são usados -
Ficando fascinada ao ponto de notar
Que Alguns - são iguais ao Meu -





Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 69 - 71

547

Vi um Olho Moribundo
A correr à volta de um Quarto -
Em busca de Algo - era o que parecia -
Então ficou mais Enevoado -
E então - obscuro como o Nevoeiro -
E então - soldou-se
Sem revelar o que é que foi
Que o abençoou por o ter visto -


Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 65

sábado, 20 de agosto de 2011

« - Quanto mais tento consertar as coisas, mas elas se afundam.
   - Porque não as deixa desmoronar?»

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

«A noite que eu aprisionara, abriu as asas e fugiu.»



Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 116

«Os ventos adormecidos ameaçam-nos com a tempestade; nada de bom pressagiam as nuvens.
   As águas silenciosas esperam o vento.
   Apresso-me a atravessar o rio antes de me surpreender a noite.»



Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 112
«Decepcionado e fatigado, retomo o meu caminho.
  Como havia o corpo de tocar a flor que só o espírito pode tocar?»



Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 79
«Deixa-me sentar ao teu lado e ordena aos meus lábios que façam o seu dever, no silêncio da noite, à claridade difusa das estrelas.»



Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 65

XXXV


    Tu brincas comigo com medo de que eu aprenda a conhecer-te com demasiada facilidade.
     Para ocultares as tuas lágrimas, deslumbras-me com as tuas risotas.
     Conheço os teus artifícios.
     Nunca dizes aquilo que quererias dizer.

     Escapas-me por mil maneiras com receio de que te não aprecie.
     Conservas-te sozinha, afastada de todos, com medo de que confunda com a multidão.
     Conheço os teus artifícios.
     Nunca tomas o caminho que quererias tomar.
    
     Tu pedes mais do que as outras e é por isso que tu és silenciosa.
     Com alegre despreocupação evitas as minhas dádivas.
     Conheço os teus artifícios.
     Nunca tomas o que quererias tomar.



Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 60

a nostalgia do inatingível

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

ave do deserto

   «Os teus lábios estão amargos e doces como o vinho da minha dor.»




Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 53
«Apertarei contra o meu seio a tua cabeça, e aí na doce solidão, falarei baixinho ao teu coração. Fecharei os olhos e ouvir-te-ei. Não fitarei o teu semblante.»




Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 52

XXVIII

    É triste o teu ansioso olhar. Quer conhecer o meu pensamento.
    Também a lua quer penetrar o mar.
    Conheces toda a minha vida. Nada te ocultei. Eis porque ignoras tudo a meu respeito.
    Se a minha vida fosse uma pérola, parti-la-ia em mil pedaços, e desses pedaços faria um colar que te poria no pescoço.
    Se a minha vida apenas fosse uma flor, suave e diminuta, colhê-la-ia da sua haste para a pôr nos teus cabelos.
    Mas, oh minha amada, ela é um coração. Quais os seus limites?
    Tu não conheces os limites deste reino e, contudo, és a rainha dele.
     Se o meu coração só fosse prazer, vê-lo-ias florir num ditoso sorriso e de golpe o penetrarias.
     Se ele só fosse sofrimento, derreter-se-ia em límpidas lágrimas, reflectindo silenciosamente o seu segredo.
     Mas, minha bem-amada, ele é amor.
     São ilimitados o seu prazer e a sua mágoa.
São eternas a sua miséria e a sua riqueza.
     Ele está tão perto de ti - com a tua própria vida, mas tu nunca o conhecerás todo.





Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 50/1

XXVII

     Crê no amor, mesmo quando ele é uma fonte de dor.
     Não feches o teu coração.
     Não, meu amigo, não posso compreender as tuas palavras, porque são obscuras.

     O coração fez-se para ser dado, oh minha amada, com uma lágrima e uma canção.
     Não, meu amigo, não posso compreender as tuas palavras, porque são obscuras.

     A alegria é frágil como uma gota de orvalho. Morre, sorrindo. Mas a angústia é tenaz e forte. Deixa despertar nos teus olhos um doloroso amor.
     Não, meu amigo, não posso compreender as tuas palavras, porque são obscuras.
     Prefere o loto desabrochar e morrer, a viver em botão um perpétuo inverno.
     Não, meu amigo, não compreendo as tuas palavras, porque são obscuras.



Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 49

W.F. Hermans

XXVI


    Tomo o que tu de bom grado me ofereces: nada mais peço.
     Sim, sim, conheço-te, modesto suplicante: queres tudo quanto tenho.

     Se puder ter essa flor perdida, trá-la-ei de encontro ao coração.
     E se ela tiver espinhos?
     Sofrê-los-ei.
     Sim, sim, conheço-te, modesto suplicante: tu queres tudo quanto tenho.
    
      Um olhar dos teus olhos amorosos faria doce a minha vida por toda a eternidade.
      E se o meu olhar é cruel?
      Guardarei, no meu coração, o seu golpe.
      Sim, sim, conheço-te, modesto suplicante: tu queres tudo quanto tenho.




Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 48
Powered By Blogger